Em manifesto, economistas defendem aumento do gasto público
Documento assinado por professores da
Unicamp e de seis outras instituições diz que é preciso assegurar fluxos de
renda.
Portal Vermelho
Professores de economia da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e de outras seis instituições divulgaram um
manifesto defendendo a atuação conjunta de comunidade, Estado e mercado para
impedir uma crise de proporções catastróficas em meio à pandemia do novo
coronavírus.
Segundo os economistas, é preciso
assegurar os fluxos de renda (salários, aluguéis, juros e lucros) para quem não
tem reservas financeiras. “Sua interrupção fraturará as cadeias produtivas,
comerciais e financeiras com perverso efeito multiplicador sobre todo o
sistema”, afirmam.
De
acordo com os professores, a crise de liquidez obrigará à política de crédito
de dar condições bancárias para o refinanciamento dos endividados, bem como
para atender à demanda por maior capital de giro.
Eles ressaltam que tanto o Fundo
Monetário Internacional (FMI) quanto o Banco Mundial recomendam ampliação
urgente dos gastos com saúde pública, bem como a implementação de medidas de
apoio aos mais vulneráveis.
“Será
preciso apoiar, urgentemente, todas as pessoas afetadas durante a pandemia por
meio de redes de proteção social com transferência de renda e atendimento de
saúde gratuito”, afirmam. “Quanto às micro e pequenas empresas, além de apoio
com crédito no curto prazo, será necessário o adiamento ou o abono no pagamento
de impostos e tarifas de serviços”, acrescentam.
Na
avaliação dos economistas, a preocupação com a situação fiscal deve ser
abandonada no atual cenário. “Conter o gasto público para limitar o crescimento
inevitável do déficit público deixou de fazer sentido social. O descontrole da
pandemia pode prolongar muito a crise, tornando inevitável a queda da
arrecadação tributária”, dizem.
Confira a íntegra do documento:
Em 11 de março de 2020, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia do COVID-19. Ele produz uma
combinação de crise sanitária, econômica e social sem precedentes na história
recente.
Devido a seu enorme potencial de
contágio, o novo coronavírus sobrecarrega os sistemas de saúde e exige medidas
restritivas, como o isolamento social e a decretação de quarentenas.
Evidentemente, essas medidas sanitárias, fundamentais para conter o
espraiamento do vírus, promovem a paralisação da atividade econômica, levam à
perda de empregos e renda da população, e provocam a falência de diversas
empresas, em particular as de menor porte e sem capital de giro.
A quarentena em diversas localidades
rompe a divisão internacional do trabalho interdependente e especializada.
Interrupções nas cadeias globais de produção culminam em depressão econômica em
nível mundial.
Nesse cenário, a atuação conjunta da
Comunidade, do Estado e do Mercado torna-se fundamental para impedir a crise de
tomar proporções catastróficas. No plano da política econômica, no curto prazo,
cabe a utilização massiva da política fiscal. Política monetária, isoladamente,
será insuficiente.
Não se trata apenas de uma medida
anticíclica de recuperação dos níveis de investimento e, em consequência, do
crescimento da renda e do emprego. Trata-se de manter os fluxos de renda (salários,
aluguéis, juros e lucros) por um período de duração imprevista em
quarentena.
Esses fluxos têm de ser assegurados
para quem não tem reservas financeiras. Sua interrupção fraturará as cadeias
produtivas, comerciais e financeiras com perverso efeito multiplicador sobre
todo o sistema.
A crise de liquidez em função de
carência do fluxo de entradas nas contas a receber face ao fluxo de saídas nas
contas a pagar obriga à política de crédito de dar condições bancárias para o
refinanciamento dos endividados. E atender à demanda por maior capital de giro.
Tanto o Fundo Monetário Internacional
(FMI) quanto o Banco Mundial recomendam aos países ampliar urgentemente os
gastos com saúde pública e buscar medidas de apoio aos mais vulneráveis. Será
preciso apoiar, urgentemente, todas as pessoas afetadas durante a pandemia por
meio de redes de proteção social com transferência de renda e atendimento de
saúde gratuito.
Quanto às micro e pequenas empresas,
além de apoio com crédito no curto prazo, será necessário o adiamento ou o
abono no pagamento de impostos e tarifas de serviços.
A preocupação com a situação fiscal
deve ser abandonada no cenário atual. Conter o gasto público para limitar o
crescimento inevitável do déficit público deixou de fazer sentido social. O descontrole
da pandemia pode prolongar muito a crise, tornando inevitável a queda da
arrecadação tributária.
Não é oportuna a insistência em
austeridade fiscal na atual conjuntura. Não se trata de apenas fazer algum
remanejamento orçamentário, sem injetar recursos novos na economia.
No Brasil, criou-se nos últimos anos
um conjunto de regras fiscais de modo a impedir a atuação ativa do Estado,
inclusive em circunstâncias de crise de saúde pública e crise sistêmica.
Reduziram-se seguidamente os investimentos públicos e os recursos para as áreas
sociais. A economia brasileira rasteja com estagnação no fluxo de renda e
concentração no estoque de riqueza.
Chegou a hora de abandonar a
estratégia neoliberal. Ela se mostra totalmente inadequada e danosa para o
enfrentamento da atual crise e suas futuras consequências.
As privatizações, a austeridade
fiscal, a precarização do mercado de trabalho e o desmonte das políticas
públicas aumentam a vulnerabilidade social. São incapazes de fazer frente aos
desafios da economia brasileira nem hoje e nem no futuro.
Alterar a estratégia e trilhar outro
caminho com desenvolvimento e maior equidade social se torna fundamental para
mediar os problemas econômicos e sociais decorrentes do COVID-19.
Nesse sentido, nós, professores (as)
e pesquisadores (as) do Instituto de Economia da UNICAMP abaixo assinados,
defendemos destinar todos os recursos demandados pela saúde pública a partir do
planejamento do SUS. Cabe atender as diferentes necessidades de estados e
municípios.
Além disso, ressaltamos o papel do
Estado de garantir a renda dos trabalhadores formais e informais, além da
população em condições de vulnerabilidade. Dessa forma, todos serão capazes de
atravessar o período do isolamento sem a necessidade de arriscar sua saúde para
garantir sua sobrevivência.
Por fim, é importante preservar a
solvência das empresas e das instituições de crédito. Ambas poderão enfrentar
uma depressão econômica de longa duração com consequências sociais trágicas.
A realidade impõe a necessidade de
desapego dos dogmas de austeridade fiscal e monetária. A inflação está sob
controle, em nível historicamente muito baixo.
Atualmente, o risco maior é sanitário
para a sociedade e cambial para empresas com endividamento externo.
Nos colocamos à disposição da
sociedade brasileira para contribuir em um debate público plural, propondo
medidas adequadas e urgentes para o enfrentamento da epidemia.
Campinas – SP, 25 de março de 2020
Professor@s – IE Unicamp
Se
inscreva. Fique sabendo. Entenda. Opine http://abre.ai/aS0G
Nenhum comentário:
Postar um comentário