Todas as fichas na insensatez
Luciano Siqueira
O presidente
Jair Bolsonaro disse ontem que politizar a luta contra o coronavírus “é uma
covardia“.
Alguém tem
feito política (de péssima qualidade) com o tema mais do que o próprio
presidente? O diálogo conflituoso com o governado paulista João Doria durante
uma teleconferência, por exemplo.
Como bem
assinalou o governador Flavio Dino (PCdoB-Maranhão), os governadores não querem
fazer luta política com o vírus, querem enfrentar — e estão enfrentando — a pandemia.
Mas não podem se escusar de repetidas vezes apelar ao presidente da República
para que assuma seu posto de comando e contribua para a articulação nacional
das medidas que cabem aos poderes públicos nos três níveis federativos.
Bolsonaro, entretanto,
trata tão ingente desafio a seu modo. Mescla incompetência com ação política
destrambelhada.
Assim tem
sido com todos os demais grandes problemas que afligem a nação.
Agora,
quando fica claro no mundo inteiro a dimensão desastrosa das consequências
econômicas e sociais da pandemia, aprofundando a crise global sistêmica e
atingindo duramente sobretudo países de economia vulnerável — como o Brasil — resolveu
se omitir e, se possível, atrapalhar as ações de proteção da população e
antecipadamente se eximir da responsabilidade que inevitavelmente lhe caberá em
relação ao desastre econômico e social que se prenuncia.
Uma aposta sob todos os títulos arriscada.
No plano
imediato, contribui fortemente para o crescente isolamento político do
presidente e do seu governo, que amarga dissidências não só centro político conservador
mas igualmente à direita.
No
desdobramento da situação, um oceano de contradições e incertezas que
inevitavelmente levarão a que amplos e diversificados segmentos sociais e do
mundo político se sintam compelidos a uma união nacional para enfrentar a crise.
Por
enquanto, ao que se observa, mesmo na intimidade do Palácio do Planalto e nas
instâncias dirigentes das Forças Armadas a um mal estar ascendente pelo
comportamento do presidente. A nau está sem comando e despreparada para navegar
em mar revolto.
E, segundo levantamentos relativos às redes sociais — terreno preferencial
em que se move o presidente e sua horda de fanáticos e robôs —, cresce a
desproporção entre manifestações de crítica e as de defesa do presidente, estas
reduzidas a pouco mais de 20%. Suas milícias digitais se vêem acuadas.
O jogo é
pesado e envolve ações concretas (ou a ausência delas) de enfrentamento da
pandemia e da crise; e também a disputa de narrativas. O ex-capitão joga todas
as suas fichas na insensatez.
Mas tudo
leva a crer que a fórmula da radicalização antipetista que contagiou uma
maioria eleitoral e levou o precário ex-capitão ao poder não encontra chão na complexidade
da situação atual.
[Ilustração: Genevieve Blais)
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