Negam o óbvio, o fato,
como se ele não existisse
Tostão, Folha de
S. Paulo
Um dos vice-presidentes do Flamengo, infectado pelo coronavírus, teve contato próximo, durante uma
viagem, com jogadores, comissão técnica, dirigentes e funcionários do clube.
Mesmo assim, sem saber o resultado dos exames que todos fizeram, o Flamengo
entrou em campo contra a Portuguesa. Foi uma absurda irresponsabilidade. O exame de Jorge
Jesus deu positivo, e, nesta terça (17), ele fez a contraprova.
Irresponsáveis também foram as federações de futebol de vários
estados, que marcaram partidas no fim de semana, com ou sem público. Não
importa. Times e atletas deveriam ter se recusado a jogar, como fez o River
Plate, na Argentina.
Existe na psicologia um tipo de negação que vai além da consciência,
do conhecimento e da ignorância. Algumas pessoas negam o óbvio, o fato, como se
ele não existisse. Apagam da mente. É a onipotência do pensamento.
Quatro times da Série A do Brasileiro (Flamengo, Inter, Atlético
e Santos), dirigidos por treinadores estrangeiros, possuem uma estratégia
comum, a de ter um volante centralizado, recuado, que se posiciona entre os
dois zagueiros, para fazer a saída de bola da defesa. Com isso, os laterais se
adiantam como alas. Quando o time avança, o volante se adianta e passa a ser um
meio-campista.
Não se deve confundir esse volante centralizado com o líbero do
passado, como alguém disse. Este, quando a equipe perdia a bola, posicionava-se
atrás dos zagueiros, para fazer a cobertura. Quando o time recuperava a bola,
ele avançava como um meio-campista.
Sampaoli, logo na estreia no comando do Atlético, colocou o
volante Allan para fazer a saída de bola, e mais um meia de cada lado. O
primeiro gol contra o Villa Nova começou com um passe de Allan, rápido, de uma
intermediária à outra. Poucos volantes brasileiros fazem isso.
Há décadas, quase todas as equipes brasileiras atuam com dois
volantes em linha e com um meia de ligação à frente deles. Os volantes desarmam
e entregam a bola para o meia, único responsável por toda a armação do time.
Ele é anulado e bastante criticado. Essa postura está ultrapassada.
Algumas equipes usam essa estratégia, com dois volantes e um
meia de ligação, e jogam um ótimo e eficiente futebol coletivo, como tem
ocorrido com o São Paulo.
Funciona bem porque os volantes Daniel Alves e Tchê Tchê se movimentam de uma
intermediária à outra e estão sempre próximos do meia Igor Gomes, formando um
trio que ataca e defende.
Ao ver Daniel Alves brilhar no meio-campo, lembro o lateral
esquerdo Marcelo, o melhor do mundo durante um bom tempo e, atualmente, na
reserva do Real Madrid. Se Marcelo voltasse a jogar em um time brasileiro,
provavelmente, teria grande destaque no meio-campo, pela esquerda, como é
Daniel Alves, pela direita.
Não sei se a deficiência principal do Corinthians é mais individual ou mais
coletiva, por causa do posicionamento extremamente fixo e repetitivo, com os
dois volantes, o meia de ligação, os dois pontas e o centroavante sempre
ocupando o mesmo lugar, fazendo as mesmas jogadas. O time, no campo, é idêntico
ao da prancheta.
No fim de semana, houve mais uma atuação ruim do Cruzeiro e mais
uma demissão de treinador, Adilson Batista. Os problemas continuam graves e
complexos, dentro e fora de campo, sem saber como recomeçar. Neste momento, é
necessário coragem, competência, lucidez e seriedade. É sonhar demais.
[Ilustração: Arshile Gorki]
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