Economistas defendem transferência de renda contra crise
Para especialistas consultados pelo
Portal Vermelho, medidas anunciadas por Paulo Guedes até agora são
insuficientes
Mariana Branco, Portal
Vermelho
Economistas
consultados pelo Portal
Vermelho defenderam a transferência de renda como forma de
mitigar os impactos da pandemia do novo coronavírus, o Covid-19, sobre a
economia brasileira. Na segunda-feira (16), o ministro da Economia, Paulo
Guedes, apresentou medidas totalizando R$ 147 bilhões. A maioria, no entanto,
envolve antecipação de gastos ou postergação de arrecadação.
O economista Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ressalta que não há “dinheiro
novo” e que o próprio governo já reconheceu que a intervenção não será
suficiente. “Mais de 70% [das medidas] trata-se de antecipação de alguns
gastos. Ou postergação de receita. Perceberam que vai precisar de dinheiro novo
ontem, quando decretaram calamidade [na terça-feira à noite, o governo decidiu
pedir ao Congresso que decrete calamidade, permitindo, assim, o descumprimento
da meta fiscal]”, afirma Mello.
Segundo o economista, uma
outra decisão que sinaliza que o governo acordou para a necessidade de aumentar
o gasto público – e, ainda, para vulnerabilidade dos trabalhadores autônomos e
informais – é a ideia que circula de pagar um voucher para quem trabalha por
conta própria. O valor ventilado na imprensa, no entanto, é baixo: o voucher se
igualaria ao benefício do Bolsa Família.
“É realmente patético. Mais uma vez, eles não estão entendendo a
dimensão do problema. Você vai pegar um cara do Uber que ganha R$ 2 mil por mês
e mandar para ele um voucher de R$ 89 [valor mínimo do Bolsa Família], ou R$
100, R$ 200, que seja”, comentou. Nos Estados Unidos, Donald Trump anunciou um
valor bem maior: o governo deve enviar cheques de US$ 1 mil aos cidadãos.
Para enfrentar os
efeitos do novo vírus na atividade econômica, Mello defende “um gasto
excepcional, alto, com transferência de renda”. “Você vai ter que dar dinheiro
para as famílias e vai ter que dar dinheiro para as empresas. Não adianta dar
crédito, adiar as despesas. Qual é o problema dessa abordagem? Quando voltarem
à atividade, as pessoas vão ter que pagar. Em um cenário de recessão, a renda
vai estar comprometida com a despesa que ficou para trás”, afirma.
Guilherme Mello lembra
que o próprio economista Gregory Mankiw, da Universidade de Harvard, ortodoxo,
republicano e defensor da austeridade, escreveu na sexta-feira em seu blog que
“há momentos para se preocupar com a crescente dívida pública, mas este não é
um deles”.
“O que você vai observar, nesse período, é quase uma estatização
dos fluxos de renda. Os bancos centrais vão dar dinheiro para todo mundo e
comprar commercial papers,
ou seja, títulos de dívidas emitidos por empresas privadas. O banco central
japonês já faz isso há alguns anos. Virou sócio majoritário de empresas privadas.
Agora, o que vai acontecer é que os Tesouros Nacionais vão ter que estatizar os
fluxos de renda por algum período. Estou falando de salários e receitas de
empresas. Obviamente, você não vai conseguir garantir tudo. Mas vai tentar
manter o mínimo de investimento circulando na economia”, ressalta Mello.
Mello afirma, ainda, que
a pandemia tem potencial para abalar as estruturas do capitalismo. “Mudou tudo.
O capitalismo vai mudar completamente. Vai haver uma estatização que vai
promover uma mudança estrutural na forma de gerir a economia. É isso que ele
[Guedes] não entende”, conclui.
Renda universal
Também professor do Instituto de Economia da Unicamp, Marco
Rocha é a favor de um programa de renda universal. “Nesse caso, o ideal seria o
governo pensar em um programa de renda universal, ou, pelo menos, alguma renda
compensatória para parte da população que é empregada por conta própria ou se
encontra subocupada, além da retomada dos investimentos e descompressão de
gastos no complexo de saúde”, declarou.
Para o economista, é
hora de repensar o regime fiscal brasileiro, sobretudo o teto dos gastos. Instituído
em 2016, o teto limita os gastos públicos à inflação oficial do ano anterior
por um período de 20 anos. Embora o governo tenha pedido ao Congresso
autorização para descumprir a meta fiscal, o teto continua em vigor.
“A questão central é que
ninguém sabe qual o tamanho da crise que pode atingir a economia mundial e seus
efeitos sobre o Brasil, portanto seria prudente ganhar espaço para medidas
emergenciais, assim como para outras medidas estruturantes de médio e longo
prazo”, defende Marco Rocha.
Na
avaliação dele, o governo segue acreditando em dogmatismos e não entende a
gravidade da situação. “As próximas projeções para o crescimento do PIB
[Produto Interno Bruto] brasileiro em 2020 deverão indicar retração econômica,
o que, para além da epidemia, é um quadro preocupante, dado o estado da
sociedade brasileira depois de quase meia década de crise econômica”, afirma.
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