Ódio eterno ao futebol
moderno é ótima palavra de ordem, mas tem um porém
Óbvio romantismo tem seu lado
idealista que lembra gramados enlameados e arquibancadas ruins
Juca Kfouri, Folha de S.
Paulo
Da virada do
século para cá, o crescimento da importância do futebol na indústria do
entretenimento no mundo globalizado –ou seria golbalizado?– tem promovido
polêmicas infindáveis sobre o destino do esporte mais popular da Terra.
A mercantilização,
a transformação dos clubes em empresas, a despudorada lavagem de dinheiro
devido à intangibilidade dos preços nas transações de jogadores e,
principalmente, a inaceitável gentrificação que exclui torcedores pobres, fez
surgir a palavra de ordem que prega "ódio eterno ao futebol moderno".
E que é
repetida pelo Planeta Bola afora nos 360 graus da circularidade ideológica
cujos extremos, como dizia o socialista chileno Salvador Allende, "se
encontram nas minhas costas".
O óbvio
romantismo da pregação tem seu lado idealista que lembra a bola de capotão, os gramados enlameados,
as arquibancadas desconfortáveis, as chancas de couro, pesadas, com pregos, os
uniformes virgens, sem propaganda, empapados de suor, os jogadores que permaneciam
por anos a fios no mesmo clube, o amor à camisa.
Progressistas
e conservadores criticam até a Lei Pelé, a que pôs fim à escravidão dos atletas
que eram patrimônio do clube, itens dos balanços, móveis e utensílios das
agremiações, que os mantinham vinculados mesmo depois do fim dos contratos.
Da
extrema-direita à extrema-esquerda, não se percebe a diferença entre o
livre-arbítrio do profissional e a situação anterior –e os empresários do
futebol são tratados como se fossem novidades surgidas após a legislação
libertadora.
Não são, já pontificavam, apenas com menos notoriedade e
precisam mesmo ser mais bem enquadrados.
Também mal
posta é a discussão em torno dos bilionários que saíram comprando clubes por
aí.
Em
princípio, torcedor algum quer que seu time tenha dono.
Em
princípio.
Pergunte aos
torcedores do Ameriquinha, ou da Portuguesa, se eles não prefeririam que os
clubes da Tijuca e do Canindé tivessem um proprietário.
Ou se os do
Bragantino estão infelizes com a Red Bull. Era melhor ser feudo da família
Chedid?
Como se
sentem hoje os torcedores do Chelsea, bicampeões europeus, que tanto
protestaram contra a chegada do russo Roman Abramovich?
De fato,
melhor seria não entregar os anéis e os dedos a mafiosos, a capitalistas com
segundas e terceiras intenções. Existem modelos que impedem, como o adotado
pelos alemães e como o idealizado pela Sociedade Anônima do Futebol,
recentemente aprovada no Brasil, embora ainda diante da necessidade de derrubar
os vetos do presidente da República.
O regime
econômico que prevalece no mundo é o capitalista e não o tornaremos minimamente
civilizado com pedradas inócuas.
Há situações
em que a reforma é mais revolucionária que a ruptura e nas quais certos
idealismos terminam por se mostrar reacionários, avessos às mudanças.
A Lei Pelé
foi um avanço e a lei da SAF será outro se prevalecer o texto original.
E, por
favor, não confunda tudo isso com mecenatos ou patrocinadoras ávidas por poder
ou pelas luzes da ribalta, capazes de tratorar óbvios conflitos de interesse e
de amanhã se cansar do brinquedinho.
O caminho da
autossustentabilidade dos clubes passa necessariamente pelo respeito à
legislação trabalhista e à adequação ao regime econômico vigente.
Depois da
revolução voltaremos a conversar.
.
Veja: Convergência quanto à necessidade de ampliar as alianças https://bit.ly/3kbDHqq
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