Por que Trump teme o Pix
Nobel da Economia explica: sistema brasileiro é
rápido, seguro e gratuito – por isso, tornou-se popular. Seus “problemas”: ele
quebra o mito do Estado “ineficiente”, ameaça lucros financeiros parasitários e
pode tornar obsoletos os bancos privados
Paul Krugman |
Tradução: Antonio Martins/Outras
Palavras
Na semana passada, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou a Lei Genius, que impulsionará o crescimento das stablecoins, [moedas digitais privadas, atreladas ao dólar] abrindo caminho para futuros golpes e crises financeiras. Na quinta-feira, os deputados norte-americanos também aprovaram um projeto que proíbe o Federal Reserve (Fed, banco central) de criar uma moeda digital pública (Central Bank Digital Currency, ou CBDC) — ou mesmo de estudar a ideia.
Por que o Partido Republicano de Trump tem tanto medo de uma CBDC a ponto de
literalmente ordenar que o Fed nem pense no assunto?Em 2022, o Fed emitiu um
relatório preliminar sobre a possibilidade de criar uma CBDC, descrita como
“análoga a uma versão digital do papel-moeda”. Atualmente, os norte-americanos
só podem usar um tipo de passivo do Federal Reserve: pedaços de papel verde com
rostos de presidentes mortos. Uma CBDC ampliaria esse direito, permitindo
depósitos diretos no Fed na forma de registros digitais — como, aliás, são
todos os depósitos bancários hoje.
Se isso soa estranho,
lembre-se que já temos algo equivalente a uma moeda digital de banco central
(CBDC) — mas só para instituições financeiras. Os bancos têm contas no Fed e
transferem recursos entre si via sistemas eletrônicos. Por que não estender
esse acesso a pessoas e empresas não financeiras?
Os parlamentares do
Partido Republicano alegam preocupação com privacidade, dizendo que uma CBDC
permitiria vigilância estatal generalizada. Mas são os mesmos que repassaram
dados do Medicaid à polícia de imigração (ICE), para facilitar prisões e
deportações. Se você acredita que sua motivação é proteger cidadãos, tenho umas
moedas digitais da família Trump para vender…
Vale lembrar: o Estado já pode acessar registros bancários privados em certas
circunstâncias e tem, por certo, tecnologia para rastrear cada transação
financeira que você faça. O que o impede é a lei — no caso norte-americano, a
Lei do Direito à Privacidade Financeira [Right to Financial Privacy Act].
Uma CBDC teria proteções similares. Ou você confia no Estado de Direito, ou
não.
O verdadeiro que os
republicanos têm (e com razão) é que muitos prefiram uma CBDC a bancos privados
— principalmente, mas não só, no lugar das stablecoins. Qualquer
tentativa de criar uma moeda digital completamente estatal enfrentaria feroz
oposição do setor financeiro.
Mas e a hipótese de
uma CBDC parcial? Será que poderíamos manter contas em bancos privados, mas
contar com um sistema público eficiente para fazer ou receber pagamentos a
partir destas contas?
Sim, poderíamos.
Sabemos disso porque o Brasil já fez.
A maioria das pessoas
provavelmente não vê o Brasil como líder em inovação financeira, mas sua
economia política é bem diferente da norte-americana. Lá, ex-presidentes que
tentam melar eleições vão para a cadeia. E os lobbies que
travam uma moeda digital nos EUA têm menos força por lá. O Brasil planeja até
uma CBDC, mas o primeiro passo foi o Pix, sistema de pagamentos do Banco
Central lançado em 2020.
O Pix é como uma versão pública do Zelle (o sistema de pagamentos operado, nos EUA, por um consórcio de bancos privados), mas muito mais fácil de usar. O Zelle é grande, mas o Pix é imenso: 93% dos adultos brasileiros o usam. E parece estar substituindo rapidamente tanto o dinheiro quanto os cartões, como mostra o gráfico abaixo:
E por quê? Segundo o
FMI, pelos seguintes motivos:
· As transações no Pix são quase instantâneas (levam 3 segundos, contra 2 dias
no cartão de débito e 28 no cartão crédito).
· Os custos são baixos. O sistema é gratuito para pessoas físicas e cobra
apenas 0,33% do valor transferido para empresas (contra 1,13% no cartão de
débito e 2,34% no de crédito).
O Pix faz o que os
entusiastas das criptomoedas prometeram (e não cumpriram): baixo custo e
inclusão financeira. Compare os 93% de brasileiros que usam o Pix com os
míseros 2% de norte-americanos – sim, apenas 2%! – que usaram criptomoedas para
pagar algo ou fazer algum tipo de pagamento em 2024.
Teremos algo como o
Pix nos EUA? Não. Ou só daqui muito tempo, por dois motivos.
Primeiro, o setor
financeiro dos EUA é poderoso demais e jamais permitiria um sistema público
competindo com seus produtos — ainda que (ou justamente porque)
fosse melhor. A gestão Trump já sugeriu que o Pix no Brasil é “concorrência
desleal” para as bandeiras norte-americanas de cartões.
Segundo, a direita
norte-americana crê piamente que o Estado é sempre o problema, nunca a solução.
Os republicanos jamais admitiriam que um sistema público de pagamentos possa
ser melhor que as alternativas do setor privado.
Outros países poderão aprender com o sucesso do Brasil e desenvolver um sistema
de pagamentos digital. Mas é muito provável que os EUA sigam reféns de uma
combinação entre interesses corporativos e fantasias cripto.
[Se comentar, identifique-se]
Por que Trump teme o sistema monetário do BRICS https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/o-que-tira-o-sono-de-trump.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário