Coluna semanal no portal Vermelho:
Marcos, Zacarias e o desenvolvimento econômico
Luciano Siqueira
A sede do PCdoB era na Rua Bispo Cardoso Ayres, no Recife, na Boa Vista, perto do centro. Marcos e Zacarias, dois garotos de seus dez a onze anos, exerciam o ofício de flanelinha no semáforo da esquina e aos poucos se tornaram nossos amigos, a ponto de perguntarem por Dona Luci e pelas meninas, e até por Renildo Calheiros (que deles se tornara conhecido durante uma campanha eleitoral). Até que Marcos saiu de cena. – Ele foi morar com a mãe e está estudando, agora ficou melhor pra mim que faturo sozinho..., esclareceu Zacarias quando perguntado sobre a ausência do colega.
Melhor para quem? Zacarias comemorava um ligeiro aumento da receita diária, mas continuava mergulhado na rotina de morador de rua, acolhido de favor pelo vigia da casa ao lado. E assim se tornaria homem feito, com o passar dos anos, até migrar para outro lugar qualquer, sem deixar rastro nem notícia. Enquanto Marcos, que voltou ao seio da família, estudou, aprendeu um ofício e se incorporou ao exército de assalariados de nossa cidade. Trabalhava numa loja de calçados quando o vimos pela última vez.
É de Marcos e Zacarias, dois destinos díspares, que nos lembramos agora ao nos debruçarmos sobre os dados da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), divulgados na última terça-feira. Eles revelam a existência de 31.992 Zacarias adultos - pessoas com 18 anos ou mais de idade em situação de rua - em 71 municípios (23 capitais e 48 cidades com mais de 300 mil habitantes) pesquisados, excluindo-se três capitais que efetuaram levantamentos semelhantes recentemente: São Paulo (SP), com 10.399 pessoas em situação de rua; Recife (PE), 1.390; e Belo Horizonte (MG), 916.
Os dados revelam uma estratégia de sobrevivência num ambiente urbano hostil. Do total 72% dizem realizar regularmente atividade remunerada (recolhendo materiais recicláveis, limpando pára-brisas de carros em semáforos, auxiliando serviços na construção civil e no comércio, etc.), sendo que apenas 16% dessas pessoas são pedintes. A renda dessa gente varia de R$ 20 a R$ 80 semanais e 74% sabem ler e escrever. Apenas 3% chega a ser atendida por programas assistenciais como a aposentadoria, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O governo anuncia a adequação de seus programas para atender a essa parcela de brasileiros quase párias. Tudo bem. Que assim seja. Mas essa realidade denuncia, através de uma dos seus fragmentos mais dolorosos, o estado de infelicidade a que está condenada uma parcela do contingente que acorreu aos centros urbanos tangida pelo latifúndio e atraída pelo sonho de encontrar uma ocupação. E põe em relevo a urgência do desenvolvimento econômico com expansão do emprego, distribuição de renda e valorização do trabalho. Para que haja menos Zacarias em nossas cidades.
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