Coluna mensal no site Interpoética
Vidas quase cruzadas
por Luciano Siqueira
Dela soubemos apenas que nasceu em Fortaleza, mudou-se para o Rio de Janeiro onde viveu a infância, a adolescência e o começo da juventude, e alterou períodos fora do país – não disse onde – com retornos intermitentes à terra natal. O sotaque carioca conserva. E o gosto por peças e símbolos orientais, que mistura com motivos nordestinos na decoração da pousada. Tem um cantinho meio esquisito, uma pequena edificação em taipa, onde se encontra um tosco altar para os que desejarem fazer suas preces. – Religião não tenho, mas sou adepta da filosofia budista, explica. De suas andanças e vivências, exibe no corpo tatuagens que quem olha não entende, carece de esclarecimento. Sim, tem também o marido, que usa óculos escuros para proteger a vista do sol, meio obeso e fala ao jeito gaúcho.
por Luciano Siqueira
Dela soubemos apenas que nasceu em Fortaleza, mudou-se para o Rio de Janeiro onde viveu a infância, a adolescência e o começo da juventude, e alterou períodos fora do país – não disse onde – com retornos intermitentes à terra natal. O sotaque carioca conserva. E o gosto por peças e símbolos orientais, que mistura com motivos nordestinos na decoração da pousada. Tem um cantinho meio esquisito, uma pequena edificação em taipa, onde se encontra um tosco altar para os que desejarem fazer suas preces. – Religião não tenho, mas sou adepta da filosofia budista, explica. De suas andanças e vivências, exibe no corpo tatuagens que quem olha não entende, carece de esclarecimento. Sim, tem também o marido, que usa óculos escuros para proteger a vista do sol, meio obeso e fala ao jeito gaúcho.
Ao café da manhã, demonstra intimidade com quatro hóspedes mulheres que lhe relembram a conversa da noite anterior: - Que história tem vocês, hem. Nós também temos nossas histórias, hoje a gente continua daquele ponto: quando e como tudo começou. Trocam risadas e resmungos, como se segredos estivessem a revelar. Na promessa de detalhes, feita pela branquela, um quê de cumplicidade. São dois casais do mesmo sexo.
Fazíamos nossos pratos, abacaxi, melão, mamão papaia, tapioca, ovos fritos, queijo manteiga, presunto. Suco de acerola. Café forte. Não éramos parte do pequeno grupo que se formara em torno da mesa larga. Nossas intimidades não interessavam, certamente nada tinham a nos contar numa manhã de sol esquentado, naquele mormaço debaixo da grande caiçara. Não tínhamos compartilhado como elas, na noite anterior, coisas vividas, sonhadas, sofridas e comemoradas.
Ficamos à mesa na quina, mais distante, já não ouvíamos a conversa, nem ouviam o que dizíamos.
Entre peças artesanais nordestinas e abajus e estatuetas budistas, espalhados pelos diversos ambientes da pousada, livros e revistas em diversas línguas e uma coleção quase completa de Bravo! A capa sobre os cinqüenta anos de Grande Sertão: Veredas deu o mote para breve troca de impressões sobre o gosto comum pela boa leitura. Nada mais que isso.
Dia seguinte seguimos viagem pelo litoral cearense, deixando a saudação habitual de um bom dia, um abraço fraterno, a paga pelos dois dias ali vividos e a leve frustração, nossa, não sabemos se dela também, por não havermos entrado na roda e compartilhado coisas da vida, de nossas vidas. Nossos destinos por estradas distintas, em paralelo, talvez mais: bifurcados, faltos daquela oportunidade de entrosamento, vidas que não se cruzaram. Por um pouquinho de nada.
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