Meu pardal amigo
Luciano Siqueira
Qual a vida média de um pardal? Pergunto porque preciso identificar esse que pousou agorinha na janela do meu escritório, aqui em casa. Saltitante, irrequieto, mirou os meus olhos, observou o ambiente – e, sem nenhum sinal de me haver reconhecido, foi-se.
Entre surpreso e apreensivo, indago se será o mesmo que há uns quatro anos, mais ou menos, costumava me anunciar a aurora. Ou será um filho dele? Ou neto? Os modos são parecidos, principalmente o jeito de me olhar – um ar superior de quem vive a vida em liberdade plena, singrando o espaço sem outras preocupações além de buscar alimentos, curtir o amor com a pardaloca escolhida (serão monogâmicos os pardais?) e observar, meio solidário, meio crítico, seres humanos super atarefados como eu. Aos pardais deve parecer estranho que a gente trabalhe tanto, peleje a vida inteira e nunca se satisfaça com as conquistas alcançadas. Uma batalha emenda na outra, sempre.
Vejo no Google que o danadinho vive em média quinze a vinte anos. Ótimo, então deve ser o mesmo que me visitava antes. Quem sabe tenha vindo muitas vezes e estranhando a minha ausência.
Pois agora reativaremos nossa amizade. Amanhã estarei aqui novamente aos primeiros raios de sol do novo dia. Vou apresentar ao meu pequenino amigo a biblioteca finalmente organizada: livros, revistas, CDs e DVDs devidamente catalogados e etiquetados, tudo em seu devido lugar. Perguntar se ele gosta do meu novo laptop de memória imensa, conexão de internet supersônica. Vou lhe mostrar a minha Canon, sonho de consumo finalmente realizado. Os muitos livros que tenho comprado ou recebido de presente. As minhas anotações, o rascunho de artigos e crônicas. As fotos mais recentes de Luci, Neguinha, Tuca, Pedro e Miguel. Ah, quero que veja o exemplar de “Cangaceiros e fanáticos”, obra clássica de Rui Facó, que afinal encontrei num sebo e estou relendo. Esse belo “as filhas de lilith”, poemas de Cida Pedrosa, ilustrações de Teresa Costa Rego e fotos de Tuca Siqueira. Que tal uma olhadela nas Obras escolhidas de Cecília Meireles? Ou prefere Drummond? Ou “Canto geral” de Neruda?
E direi a você, meu pardalzinho querido, que continuo o mesmo. Muito trabalho, luta sem fim, as mesmas convicções. Esperanças e sonhos renovados. E sempre arranjando tempo para ler, escrever, ouvir uma boa música, amar e prestar atenção a pássaros que, por um instante, pousam no parapeito da janela e renovam a beleza da vida.
Ah, meu pardal amigo, foi lhe ofertar esses versos do poeta Vinícius: “Para que vieste/Na minha janela/Meter o nariz?/Se foi por um verso/Não sou mais poeta/Ando tão feliz!”
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