Mais um “E” para o PETI não seria demais...
Reginaldo Veloso*O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil- PETI, no afã de defender as crianças contra abusos na prática do trabalho infantil, corre o sério risco de prejudicar as crianças em seu processo de educação e iniciação à vida. Refiro-me a pronunciamentos que ouvi de seus responsáveis na “Caravana”, evento acontecido no auditório da Assembleia Legislativa de Pernambuco, nesta quarta-feira, 24 de maio p. p.
Alguém, em sã consciência, pode desconhecer que os valores básicos da vida, todos eles, inclusive, por exemplo, a política, a religião, o trabalho, a disciplina, precisam, desde cedo, fazer parte do cardápio da Educação, não apenas como ideário a ser trabalhado no seio da família ou nas salas de aula, em forma de conselhos ou conceitos, mas como “experiência” e prática?...Em se tratando, especificamente, de trabalho, pode-se ignorar a importância do interesse das próprias crianças, à medida que vão crescendo e se desenvolvendo, em aprender os ofícios dos pais e mães, ou outros que despertam sua atenção ou caem, espontaneamente, em seu gosto, isso, tanto em meio rural quanto urbano?... Seja porque, aí, descobrem algo de interessante e sentem o prazer de criar ou fazer algo, seja porque sentem vontade de participar do esforço coletivo e solidário da família na luta pela sobrevivência, seja porque querem ganhar o seu dinheirinho, o fato é que, há crianças que por si mesmas se interessam pelo trabalho.
Não haveria um valor, uma beleza até, na criança, filha de agricultor, que começa a brincar de limpar mato com a enxadinha velha, e, aos poucos, vai recebendo do pai ou da mãe pequenas tarefas no cultivo da terra, crescendo desde pequena, no gosto de ser um agricultor?... Não há uma importância e encanto no garoto que começa a bater prego com um martelo, a pegar o serrote e cortar restos de madeira, fabricando um carrinho, e vai crescendo na marcenaria do pai, aprendendo aos poucos as tarefas desta profissão?... Não é bonito ver as meninas brincando de cozinhado e se interessando por ajudar a mãe a “bater um bolo”, e ir aprendendo e assumindo, aos poucos, tarefas da cozinha e outras?...
Todos aqueles e aquelas que na família, na escola, na igreja, em qualquer instância de vida social, têm o papel de educador (a) junto às crianças, não poderão desconhecer jamais a importância desse interesse. Essas experiências, efetivamente, são oportunidades de ajudar as crianças a crescerem tomando consciência dos valores do trabalho como atividade criativa e realizadora, expressão de serviço, colaboração e solidariedade, meio digno de vida, e, até, como ponto de inserção na vida da Classe Trabalhadora, com progressiva consciência de direitos e deveres e participação nas suas lutas. Por sinal, conheci, no Peru, um Movimento que se intitulava “Movimentos de Crianças Trabalhadoras, Filhos de Trabalhadores Cristãos”.
Se há crianças que, por si mesmas, não se interessam pelo trabalho, precisariam, em nome de um saudável processo educativo, ser despertadas para esse interesse, sob pena de serem prejudicadas em seu desenvolvimento como seres humanos criativos e realizados, dignos, autônomos, responsáveis, colaborativos, serviçais e solidários.
Claro que isso nada tem a ver com as aberrantes e deploráveis práticas de exploração do trabalho infantil por parte de quem quer que seja, que vão do trabalho doméstico excessivo, não só na casa dos outros, mas às vezes, na sua própria, ao corte da cana, às carvoarias, quando não chegam ao cúmulo da perversão, nas “tarefas” de mendicância, do tráfico e da prostituição, às vezes a isso empurradas pelos próprios familiares.
Claro que a atividade própria da criança é a brincadeira. E tudo quanto a ela é proporcionado como oportunidade de expressão e realização deverá ter uma dimensão lúdica, seja no convívio da família, seja na escola, seja na igreja ou quem qualquer outra instância da vida social das crianças. Com essa compreensão, o Movimento de Adolescentes e Crianças, - MAC, já nos anos 70, cunhava a expressão que se tornou lugar comum: BRINCADEIRA É COISA SÉRIA!
Mas, sem prejuízo do tempo de escola e do sagrado tempo de brincar, o descuido dessa faceta da importância do trabalho no processo educativo das crianças não estaria na base de distúrbios de comportamento na idade adulta, que vão da inapetência e desinteresse pelo trabalho aos desvios todos da vadiagem e da malandragem?...
Por tudo isso, me parece que precisaria acrescentar-se à sigla do PETI mais um “E”: Programa de Erradicação da Exploração do Trabalho Infantil = PEETI. Sim, porque o trabalho mesmo, como dimensão da vida humana é algo que nasce com a criança e precisa desenvolver-se, gradualmente, é claro, com todo o seu ser, desde ela pequena.
Não dá para entender bem certas investidas do poder público, em nome da “erradicação do trabalho infantil”, quando seus agentes põem toda sorte de obstáculos à realização de experiências criteriosas e educativas de formação profissional ou simplesmente de ocupação saudável do tempo ocioso de crianças e adolescentes menores de 14 anos que, sem prejuízo do seu tempo de escola e de lazer, se dedicam ao cultivo de hortaliças ou plantas medicinais em espaços escolares ou comunitários... quando abordam famílias que, no final de semana, vão vender sua produção agrícola ou artesanal em feiras, ou aproveitam as oportunidades sazonais, e vão vender água, refrigerante etc. na orla marítima, fazendo-se acompanhar por filhos menores, os quais, talvez, nem poderiam deixar em casa, contando com os mesmos na tarefa de atender os clientes que chegam... Qualificar fatos semelhantes como “trabalho infantil” que precisa ser sumariamente “erradicado”, “na forma da lei”, me cheira a atitude repressiva, descabida, sem justificativa que provenha de bom senso... É, sim, interpretação vesga e insensata da lei. Não dá “para mostrar serviço”, recorrendo a esse tipo de expediente, talvez porque mais fácil de dar conta e aparecer.
Que não se tomem decisões ou atitudes, sem saber, primeiro do que se trata ou quem é quem, e em que circunstâncias as coisas acontecem. O argumento simplório de quem acha que está tudo resolvido porque “perguntei às crianças que trabalhavam na feira o que é que elas mais gostariam de fazer e elas responderam que era brincar”, de repente, poderia valer para, simplesmente, não mandar mais as crianças à escola, por exemplo. Seria o caso?...
Seja como for, o que precisa ficar mais claro e definido é o que, efetivamente se constitui como abuso ou exploração. E o que precisa ser combatido eficazmente é o abuso e a exploração. E não, passar, feito rolo compressor, por cima de valores a serem evidenciados e cultivados no processo educativo, ou por cima de pessoas que, na sua simplicidade e bom senso organizam e vivem suas vidas de maneira correta e sensata.
*Reginaldo Veloso: Presbítero das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs; Fundador e consultor do Movimento do Movimento de Adolescentes e Crianças – MAC; Assistente do Movimento de Trabalhadores Cristãos – MTC; Assessor do Programa de Animação Cultural – PAC, da Escola pernambucana de Circo - EPC
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