20 dezembro 2012

Preconceitos ontem e hoje

Onça, câncer e comunismo
Luciano Siqueira

Publicado no portal Vermelho www.vermelho.org.br  

Onça e câncer: duas palavras que me metiam medo no iniciozinho da infância. Minha mãe sempre se referia ao bicho (e seus assemelhados leão e outros) incutindo receio: “é um perigo se uma onça se soltar no circo; leão, pior ainda!”, comentava, como se uma ameaça descesse sobre a cabeça de crianças, como seus filhos pequenos, fascinados pela magia circense.

Câncer, tal como tuberculose, ela pronunciava bem baixinho. Do mesmo jeito que se referia ao morador de nossa rua, na Lagoa Seca, Natal, João Batista Galvão, ex-ministro de Viação do breve governo revolucionário instalado na cidade na insurreição de 1935: “ele é comunista”.

O temor aos bichos selvagens se devia à absoluta falta de com intimidade com o mato, vivente urbana que era e de onde nunca saía.

Quanto ao comunismo, naqueles idos dos anos cinquenta, ainda se pregavam cartazes com propaganda contra a URSS e uma suposta ameaça vermelha sobre o Brasil. Lembro-me de um deles, que ostentava um feitor de chicote à mão, observando trabalhadores rurais na colheita do trigo, e a frase terrível: “Assim se trabalha na União Soviética”.

Pois bem. Dias atrás os jornais divulgaram que a onça preta Jabuticaba, do Parque Dois Irmãos, faleceu em consequência de um câncer na cavidade oral. Jabuticaba deixou órfãos dois filhotes com os quais vivia no setor dos felinos do Zoológico do Recife.

A notícia dava detalhes. Jabuticaba se submetera a uma tomografia computadorizada mediante cooperação com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Apesar do tratamento ministrado pelos veterinários, que lhe dera uma aparência de boa saúde, a onça definhou até a morte porque não conseguia mais se alimentar.

Confesso que por mais não me interessei. Bem que poderia ter perguntado ao sobrinho Daniel, um dos veterinários do Parque, ou à diretora Silvana, minha companheira de partido. Envolto em muitas tarefas, apenas guardei a notícia como um liame com a tenra infância. Jamais imaginei, em minha tremenda ignorância, que uma onça morresse de câncer! No fundo, lá nas profundezas do inconsciente, talvez tenham pesado os velhos temores – do bicho selvagem e da doença – incutidos pelos comentários apreensivos de D. Oneide, minha mãe.

Quanto ao comunismo, vejam vocês, marca a vida e a militância desse filho de D. Oneide há mais de quarenta anos. Sem nenhum constrangimento, nem necessidade de pronunciar a palavra em tom baixo e cerimonioso: hoje praticamente não existe preconceito contra o Partido Comunista do Brasil e esse amigo de vocês, de posições claras e filiação partidária marcante, encontra guarida em todos os salões, para além das camadas populares e da intelectualidade progressista - das instituições empresariais aos templos religiosos, onde pode expor ideias sem causar estranheza. Evoluiu a sociedade brasileira e a prática política dos comunistas, que aliam firmeza de convicções revolucionárias com convivência democrática e mutuamente respeitosa com todas as correntes políticas, credos e visões de mundo.

Que a onça preta Jabuticaba descanse em paz. E que o Brasil possa avançar na direção das grandes transformações que o levarão a um novo patamar civilizatório.

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