Caetano De’Carli, Estudante de Doutoramento em Pós-Colonialismos e Cidadania Global Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
Segundo relatos de
vários daqueles que foram às manifestações de quinta, há um descontentamento
geral sobre o uso da violência contra manifestantes de esquerda e há uma
tendência de se assumir pautas conservadoras, em detrimento de pautas
progressistas. “A direita acordou”, disse um amigo, relatando espancamento
contra quem tivesse bandeiras de partidos, bonés de movimentos sociais
históricos enquanto, por outro lado, os cartazes de grupos a favor da
criminalização do aborto e da lei do nascituro eram limpidamente intocáveis. Em
São Paulo, há relatos de queima de bandeiras de esquerda em seguida de um “sieg
hell”.
De forma geral, os
grupos políticos tentaram participar das grandes manifestações convocadas nessa
quinta feira. A esquerda e a direita foram como sempre. A esquerda, com suas
camisas, militantes e bonés. A direita foi silenciosa, sem mostrar a cara,
trajando a roupa do cidadão comum, usando seus tradicionais métodos de coerção
e violência. A outra arma tradicional da direita, a mídia hegemônica, vem
conseguindo pautar as manifestações evidenciando as pautas nas quais está de
acordo, silenciando as pautas progressistas. Fica um alerta, a direita quer
transformar as manifestações espontâneas de rua nas antigas marchas para Deus,
Família e Propriedade. E isso não tem nada de “apartidário”. Por outro lado
penso que a luta não está perdida. A maioria dos manifestantes não se enquadra
num perfil de direita tradicional, pelo contrário. São realmente pessoas que
estão na rua indignadas e estão articuladas através das redes sociais.
Na Espanha, certa vez,
vi uma manifestação dos indignados e a atitude era a mesma, sem partidos, sem
bandeiras. Entretanto não vi ninguém ser espancado, nem nenhuma bandeira ser
queimada por isso. É o que difere a realidade espanhola, da brasileira. Não sei
se essa realidade se aplica ao Brasil, e o que é o novo, num lugar, pode
ressuscitar o velho no outro. Na Espanha não existe uma Globo, por exemplo, que
num primeiro momento tratou os manifestantes como caso de polícia e no segundo
momento, crente que podia manipulá-los, passou a defendê-los. Há algo de
semelhante nos dois casos? Talvez. Há quem diga que os indignados deram à
direita política as vitórias nas urnas ao se absterem de votar, causando
prejuízos inestimáveis a uma base eleitoral que teria a tendência do voto nos
partidos políticos de esquerda. O resultado disso foi que a situação social e
econômica espanhola só fez piorar. Idem em Portugal.
Faço, entretanto uma
ressalva que por mais que o PT não possa ser colocado no mesmo patamar político
programático dos Partidos Socialistas Ibéricos (a esquerda que não é mais
esquerda, apesar da cor de suas bandeiras), tem muita gente dentro do partido
que vislumbra essa possibilidade, e com poder para transformar isso em
realidade.
Mediante essa
conjuntura, é importante enaltecer dois alertas: a) aos manifestantes de ontem
que não possuem nenhum perfil da direita reacionária que vem tentando pautar
esses movimentos: parabéns por irem às ruas de forma sincera e espontânea.
Continuem indo às ruas. Mas tenham cuidado para não estar balançando uma
bandeira ou vestindo a camisa da direita sem saber. Quantidade em política não
é qualidade. E da próxima vez pode se ter algo de menor proporção, mas com mais
qualidade política. Uma manifestação imprecisa dá margem para aproveitadores da
direita organizada, que há tempos que não conseguem reunir mais de 30 pessoas
na rua, a se vangloriarem de uma coisa que eles não realizaram; b) aos partidos
de esquerda: a disputa não está perdida. É preciso, entretanto que se mudem os
métodos de abordagem e se adicione outros métodos de trabalho de base. É
impossível fechar os olhos à capacidade de mobilização que as redes sociais
possuem. Além disso, alguns poucos vêm acusando todos os manifestantes que
foram às ruas de membros da direita ou conservadores. Fazendo isso, só quem tem
a ganhar é a direita organizada. Para se ter diálogo com essa geração, é
preciso saber e querer dialogar, assumindo erros e se colocando a disposição de
ouvir e ser ouvido.
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