16 janeiro 2016

Transporte coletivo, um olhar instigante

Ônibus, passagem, mercadoria, direito

Melka*, em seu blog Uma preta sem juízo
Eu vou declarar uma coisa aqui pra vocês do fundo do meu coração: eu adoro andar de ônibus! É, eu sempre tô resolvendo alguma coisa pelo celular, falando com alguém, então quando entro no ônibus ganho o tempo que não teria se tivesse andando ou de bicicleta, quando o trajeto é um pouco maior consigo desligar a internet do celular e ler um pouco. O ônibus também proporciona o encontro com as pessoas, como sempre pego muito ônibus e de linhas diferentes, vez ou outra encontro algum amigo/a ou conhecido/a que não via há tempos, fora que a gente sempre faz amizades novas. Sem falar também da diversão que é a muvuca no ônibus, vendedores ambulantes, poetas, músicos, uma variedade incrível. 
Pois então, adoro andar de ônibus, o que eu odeio e que me deixa doente é esperar, por exemplo, um Barbalho/Detran da vida, a gente espera coisa de 1h ou mais, eu odeio quando ele tá lotado e a gente acaba ficando em situações constrangedoras, principalmente nós mulheres, os engarrafamentos então acabam com minha saúde e paciência e acho um absurdo um aumento da passagem de R$ 2,45 pra R$ 3,25 e a tarifa B de R$ 3,35 pra R$ 4,40. Com certeza não vai ser esse aumento todo e como disse um camarada meu de Olinda, Matheus Lins, a gente já conhece esse teatro: anunciam a proposta das empresas, aí todo mundo se indigna, aí vai pra reunião do Conselho de Transportes, que só se reúne pra isso, discutir qualidade do transporte que é bom, nada e na reunião definem um reajuste que não é tão alto quanto a proposta das empresas, mas não deixa de ser um aumento significativo que mexe com nosso orçamento diário. É isso que acontece praticamente todos os anos, a gente já conhece o roteiro.
Estamos em ano de eleições municipais, vamos escolher os representantes que devem/deveriam atender aos anseios da população aos quais representam no que diz respeito principalmente a cidade, discutir a cidade é discutir sobre a qualidade de vida das pessoas e um aumento de passagens como esse, faz a gente se perguntar e refletir sobre mobilidade urbana e o modelo de transporte público que a gente usufrui e o quanto ele atende as nossas demandas e queria questionar ainda sobre o valor de mercado que o transporte público tem na nossa sociedade. Eu sou uma profissional de saúde que estou me especializando na Atenção Básica e fazemos sempre o debate do que é mercadoria na sociedade capitalista que a gente vive.
Saúde é mercadoria, educação é mercadoria e o direito de ir e vir, o transporte que a gente precisa usar pra se deslocar pra trabalhar, estudar, viver, também é mercadoria, é negócio pesado e caro. E na minha concepção são necessidades básicas que o Estado deveria garantir de uma forma com que todas as pessoas tivessem acesso e com muita qualidade. Um desempregado que quer procurar trabalho arruma como R$ 4,40 pra sair de casa e depois voltar? Um preço caro restringe o direito sobre quem pode andar de ônibus ou não. Não é verdade?
Eu tava lendo um artigo essa semana sobre a Venezuela (que é um país socialista) e os impactos da crise econômica pelas bandas de lá, onde dizia que apesar de todas as dificuldades o governo optou por não fazer nenhuma redução dos investimentos sociais e o metrô de Caracas continua com sua passagem custando quatro bolívares e comparou com o preço de um cafezinho que custa cinquenta bolívares. São realidades totalmente diferentes, mas é exatamente isso que quero questionar, a concepção que a nossa sociedade tem aqui sobre o que é mercadoria e que essa concepção faz com que cada vez mais se explore o bolso do trabalhador e da trabalhadora, dos e das estudantes, dos desempregados e desempregadas, enfim, das classes mais populares que utilizam o transporte público que é tão básico pra nossa sobrevivência. 
Então é muito absurdo ter que pagar tão caro pra andar, porque não é só o preço é a qualidade de vida. É humilhante demais ter que empurrar outras pessoas pra conseguir um lugar e poder sentar depois de um dia inteiro de cansaço, é estressante ter que esperar tanto pra pegar um ônibus e passar horas em pé nos engarrafamentos, é desumano e indescritível o sentimento que dá só de lembrar das mortes dos estudantes, Camila Mirele e Harlynton dos Santos, que aconteceram em 2015 por conta do caos que é andar de ônibus. O transporte público na Região Metropolitana do Recife MATA!
A passagem aumenta e a cidade não nos dá alternativas porque não tem iluminação, segurança e ciclovias, os próprios ônibus são palcos de assaltos constantes, o trânsito é terrível, a gente pode morrer porque tá andando de ônibus, o transporte público rouba nossa dignidade. Não tem jeito, a saída é a luta e muita luta coletiva, a gente não pode desistir de discutir e enfrentar o debate da reforma urbana pra transformar as cidades em espaços mais humanos, do modelo de transportes, do preço das passagens, do passe livre, da promessa de campanha do Governador de unificar a tarifa em R$ 2,15. 
São inúmeras as discussões, mas só devidamente organizadas/o e conscientizando cada vez mais a população sobre seus direitos é que vamos ter força e ser vitoriosos, dito isto, convoco a todos e a todas a estarem nas ruas do Recife nessa sexta-feira, dia 15 de janeiro às 8h da manhã pra protestar e barrar o aumento. Eu acredito na força do povo na rua e as ruas ao povo pertence!
EU PAGO, NÃO DEVERIA, TRANSPORTE PÚBLICO NÃO É MERCADORIA!
*Melka Pinto, ex-presidente da União dos Estudantes de Pernambuco, enfermeira, residente em saúde coletiva na UFPE
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