08 setembro 2019

Enrolado em vexames


Férias sem viagem

Janio de Freitas, Folha de S. Paulo

As datas agendadas para a cirurgia reparadora de Jair Bolsonaro, hoje, e para seu discurso na Assembleia Geral da ONU, 24 deste mês, juntam-se em uma utilidade não originária do acaso. Ao informar da hospitalização, Bolsonaro falou em “férias de dez dias, talvez doze”. Duração bem maior, e com fim mais próximo da viagem, do que a previsão médica de “uns sete dias”. Pouco depois, fez a menção dramática à possível ida “de cadeira de rodas” e, logo, “até de maca”. Duas formulações não motivadas que contrapõem, no senso comum, a cirurgia e a viagem a Nova York.
A movimentação de Bolsonaro nas últimas semanas sugere que sua situação não tem gravidade, nem a cirurgia tem urgência. Ou poderia estar feita. O aparecimento repentino da hospitalização e sua data dão a Bolsonaro o recurso da eventual “recomendação médica” de não viajar. Seria uma “ausência forçada”, caso venha a lhe parecer, se ainda não parece, que a ida à ONU é uma imprudência. Ou provocação.
O ambiente da ONU só pode ser o mais impróprio para Bolsonaro. É natural que por lá não tenham esquecido sua afirmação de que, eleito, retiraria o Brasil da entidade, tratando-a como um amontoado de comunistas. E, mais recentes, seus ataques ao secretário-geral António Guterres e à dirigente do Alto Comissariado de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, de muito prestígio na diplomacia e entre políticos de nível internacional. Amazônia condenada, indígenas perseguidos, liberação de armas, ataques a NoruegaAlemanha e França integram o cardápio da recepção a Bolsonaro. Sem surpresa, se ao som de vaias.
Além de poupar o Brasil de mais vergonheiras, a permanência aqui oferece a Bolsonaro um cardápio tão interessante quanto o nova-iorquino. Assunto que o mobiliza, por exemplo, não é gratuito o reaparecimento das suspeições que atingem o filho Flávio. Por ora, requentadas. 
Mas a volta promete.
Embora não se possa afirmar que haja polícia capaz de investigar, de verdade, os entornos políticos e outros das milícias, a desarticulação que Bolsonaro quer fazer na Polícia Federal, facilitada pelo exangue Sergio Moro, deve ter retorno. E o hoje senador Flávio Bolsonaro é muito vulnerável no tema milícias e milicianos, com os imagináveis desdobramentos. Aliás, não é o único na dinastia.
Em todos os sentidos, o melhor para o país é que Bolsonaro dispense mesmo a cadeira de rodas, a maca e o avião. Lá fora talvez até debitem a ausência à cirurgia.
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