O fim da
democracia e os homens-bambus
Luis Nassif, Jornal GGN
A grande
indagação: como o Brasil chegou a esse nível de desregramento institucional?
Como foi possível eleger Jair Bolsonaro e aceitar todos os abusos que são
cometidos diariamente contra a democracia brasileira? Como explicar a
volatilidade das convicções dos homens públicos brasileiros, dos Barroso,
Fachin, dos Randolfe e Cristovãos?
A democracia é um conjunto de valores e de práticas
consolidadas, que exercem pressão moral sobre as personalidades públicas mais
maleáveis. São restrições de ordem moral e ética que operam como barreiras de
contenção às manobras oportunistas. Cada gesto oportunista, que transgrida as
regras da democracia, merece a condenação dos seus pares e do público. É por aí
que há o controle social sobre as autoridades.
As cláusulas pétreas da democracia
são:
· Respeito
absoluto pelos direitos individuais e sociais.
· Respeito
absoluto pela Constituição e pelo poder do voto.
· Respeito
absoluto pela independência dos poderes, sem que um poder procure se sobrepor
aos demais.
· Respeito
absoluto pelo espaço político para o contraditório e para as atividades da
oposição.
· Repressão
imediata a qualquer ato que signifique ameaça à democracia.
Todos esses fatores passam a ser
progressivamente atropelados pelas instituições, a começar do Supremo Tribunal
Federal (STF), que abraçou as teses do estado de exceção no momento que passou
a atropelar a Constituição.
A atitude de Luis Roberto Barroso, de
vetar um indulto presidencial – direito do Presidente da República
expressamente definido na Constituição – foi a prova maior da subversão total
da democracia. Antes dele, logo no final do mensalão, Luiz Fux procurou acuar o
Congresso, paralisando todas as votações até que se resolvesse a questão dos
royalties do petróleo para o Rio de Janeiro. E, acima de tudo, a decisão de
tirar Lula das eleições de 2018.
Sem a convicção
democrática, não há mais constrangimentos nem de ordem ética ou moral para as
atitudes públicas, o que abre espaço para toda sorte de personalismo e
oportunismo.
Os
movimentos oportunistas
No Senado, Renan Calheiros poderia ter sido a peça de
resistência. Foi derrotado por uma coalizão que juntou fisiológicos,
conservadores e até progressistas e onde se destacou o senador Randolfe
Rodrigues, do Amapá, que tinha como grande interesse o fato do concorrente, o
obscuro David Alcolumbre, ser seu conterrâneo e de suas relações. Abriu uma
porta para o controle do Senado pelo bolsonarismo. Randolfe também foi dos
principais defensores da Lava Jato e do impeachment. Hoje em dia, com os ventos
do seu público mudando, volta-se para a defesa tardia da democracia.
Randolfe não é nenhum Cristovão Buarque. Menciono-o apenas para
mostrar o exemplo dos homens-bambu, infelizmente maioria na vida pública
nacional, curvando-se a qualquer movimentos dos ventos, sem nenhum compromisso
com valores ou com a coerência.
É o caso reiterado do Ministro Luis Roberto Barroso, talvez o
símbolo maior desses tempos de dissipação e de explicitação do caráter
nacional.
Sugiro a leitura do relevante “O Pêndulo da Democracia”, de
Leonardo Avritzer, analisando, na bucha, os acontecimentos políticos do
momento.
Segundo ele, desde 1946 a opinião pública se move em movimentos
pendulares, ora acatando valores democráticos, ora curvando-se ao golpismo mais
explícito. Depois de cada período de terror – a redemocratização de 1946 depois
do Estado Novo e da Segunda Guerra; 1985, depois da ditadura militar – há um
movimento do pêndulo em favor de valores democráticos.
Esse processo permite avanços sociais,
aumento da inclusão, provocando a reação das elites e da classe média, que se
tornam parceiros da nova etapa, de resistência à democracia. Até que sobrevenha
um novo período de desgraças, e o pêndulo retome os valores democráticos
novamente.
Pela teoria do
pêndulo, mais à frente haveria o refluxo e a volta dos valores democráticos.
Mais qual o nível de tragédia que o país está disposto a suportar? Qual o nível
de desmonte que o STF está disposto a impingir ao país, antes que a violência
se torne irreversível?
Esta é a questão.
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