Ricos ficam mais ricos em quase metade das regiões metropolitanas do Brasil durante pandemia
Levantamento traz
ganhos com trabalho, exclui auxílio emergencial e identifica casos em que ricos
elevam rendimentos
Paula Sperb,
Folha de S. Paulo
A desigualdade de renda aumentou nas metrópoles
brasileiras durante a pandemia. Todos os segmentos, dos mais pobres aos mais ricos,
viram seus rendimentos caírem. Os pobres, porém, sentiram mais a queda nos
ganhos.
Os dados
integram o primeiro boletim “Desigualdade nas Metrópoles”, que compara dados do
segundo trimestre de 2020 com o mesmo período do ano passado, antes da
pandemia. O fechamento das atividades econômicas para evitar a proliferação da
Covid-19 ocorreu especialmente no período estudado.
O boletim
considera a renda individual por média domiciliar e não inclui no cálculo as
rendas vindas do auxílio emergencial e
outras fontes, como Bolsa Família. Por isso, dá a dimensão do impacto da
pandemia na renda cuja fonte é exclusivamente o trabalho.
O estudo é de
pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
Observatório das Metrópoles e Observatório da Dívida Social na América Latina
(RedODSAL).
“Vemos o efeito da renda do trabalho", diz Marcelo Gomes
Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e do Instituto de Pesquisa
e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.
Ribeiro
explica que, quando uma única pessoa perde o emprego, é preciso considerar que
toda a família é afetada, pois há redução na renda per capita de todo o
domicílio.
Como o estudo
se estende pelo período da pandemia, os pesquisadores também captaram os
efeitos do programa que permitiu cortes de jornadas e
salários. Nesse contexto, mesmo quem manteve o emprego pode ter
perdido renda, afetando os ganhos da família.
“Com a
perspectiva de manter trabalhadores na ativa sem fechar os postos de trabalho,
tivemos políticas de redução de renda. Assim, além daqueles que perderam o
emprego, tivemos aqueles que mantiveram suas vagas, mas tiveram a renda
diminuída”, afirma Ribeiro.
O boletim tem
como base os dados sobre renda da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios), do IBGE, referentes aos segundos trimestres de 2020 e 2019.
Os números
mostram que, na média das 22 regiões metropolitanas, os 40% mais pobres
perderam 32,1% da renda, os 50% intermediários perderam 5,6% e os 10% mais
ricos perderam 3,2%.
Apesar da
renda do topo da pirâmide ter caído na média geral, os ricos ficaram mais ricos
em nove regiões, como Manaus, Belém, Rio de Janeiro e Florianópolis, segundo o
estudo. Já os mais pobres perderam renda em todas as regiões analisadas.
“Quem está na
base está menos protegido, normalmente tem trabalho informal,
sem vínculo, por conta própria. Por isso, quando bate a crise, essa camada
sente imediatamente o efeito. Quem está mais lá em cima tem mais condição de se
defender neste contexto”, afirma André Salata, professor do programa de
pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS.
Na
região metropolitana de Florianópolis, por exemplo, os 10% mais ricos ficaram
ainda mais ricos, com 24,2% de aumento na renda. O fenômeno também ocorreu na
região metropolitana do Rio de Janeiro, onde os mais ricos tiveram 8,7% de
incremento na renda.
"Mesmo
em um contexto negativo, na dinâmica de um país desigual como o Brasil quem
está em cima tem mais condições de se proteger e até aumentar seu rendimento em
alguns casos", diz Salata.
O aumento
decorre de oportunidades específicas de cada contexto. Um empresário do setor
de supermercados, por exemplo, viu a demanda aumentar no seu negócio com o
fechamento dos restaurantes.
A metrópole
onde os mais pobres perderam mais renda foi Salvador, com uma queda de 57,4%.
“Na região de Salvador especificamente, e no Nordeste, em geral, há muita
informalidade. Isso explica uma queda tão brusca”, diz o professor.
DESIGUALDADE
Além de
observar as variações da renda, o levantamento estima a desigualdade. A medida
usada para calcular a desigualdade é o Coeficiente de Gini. Na escala desse
indicador, zero significa igualdade total de renda. Quanto mais próximo de um,
por sua vez, maior será a desigualdade. Assim, uma alta no Gini assinala uma
piora nas condições socioeconômicas.
Segundo as
projeções, a média das 22 regiões metropolitanas estudadas mostra que o
coeficiente de Gini chegou a 0,640 no segundo trimestre de 2020. No mesmo
período de 2019, ele estava em 0,610. Em comparação ao primeiro trimestre deste
ano, a distância entre topo e base também aumentou, de 0,610 para 0,640.
“São
necessárias muitas mudanças para se observar alteração no Gini, e a mudança
identificada é bastante robusta", diz o professor Salata.
"E são
mudanças acentuadas em um espaço curto de tempo, o que revela o efeito extremo
e brusco da pandemia e da crise econômica resultante. Vemos uma diferença muito
clara [antes e pós pandemia], em geral com crescimento muito acentuado.”
Na região
metropolitana de São Paulo, a diferença entre o topo e a base aumentou de 0,631
no segundo trimestre de 2019 para 0,653 no mesmo período em 2020, durante a
pandemia. Na região metropolitana do Rio, a desigualdade subiu de 0,635 para
0,685.
O
estudo considerou três estratos sociais: os 40% mais pobres e os 10% mais
ricos, que são as pontas, e os 50% mais próximos da média de renda dentro de
cada região metropolitana, ou seja, o meio.
Das 22
regiões metropolitanas estudadas, apenas Maceió não registrou aumento da
desigualdade. O fenômeno pode ser explicado por uma aproximação do topo com o
meio. “Os ricos tiveram uma queda que fez com que se aproximassem
aos do meio”, explica Ribeiro. Os pesquisadores esclarecem que o Coeficiente de
Gini “tende a ser mais sensível para as mudanças mais próximas do meio do que
nas pontas”.
O boletim
também mostra aumento na parcela da população em vulnerabilidade relativa de
renda, ou seja, que recebem até metade do valor mediano de cada região
metropolitana. Na média das 22 regiões estudadas, o número saiu de 28% para
31,3% , na comparação do segundo trimestre de 2019 com o de 2020.
Quanto à
desigualdade racial, negros receberam 57,4% da renda dos brancos no segundo
trimestre de 2020. As regiões com menos diferença de renda entre brancos e
negros são as de Macapá (73,1%), Florianópolis (70,6%) e Goiânia (70, 4%). O
boletim ressalta que nestas regiões a desigualdade geral é menor.
Para os
pesquisadores, diante da piora da desigualdade identificada no estudo, é
possível projetar que 2021 será um ano crucial para a economia brasileira. “O
Estado terá de pensar uma retomada para todos”, diz Ribeiro.
Salata lembra
que o que chama de ciclo de redução de desigualdade, entre 2001 e 2014.
"Especialmente no segundo governo de Lula e no primeiro de Dilma, todos os
estratos estavam aumentando seus rendimentos gerais. A ponta de baixo tendia a
crescer mais. É o melhor dos mundos, porque o bolo cresce e quem está embaixo
começa a ganhar uma fatia maior. Agora, o que se vê é o oposto, é o pior dos
mundos. Todos estão perdendo e os pobres perdem mais, aumentando a
desigualdade".
Além disso,
os pesquisadores citam a diminuição do desemprego, a manutenção do auxílio
emergencial e uma rede de proteção social mais robusta.
Para os
pesquisadores, não é possível prever com exatidão quando haverá uma retomada
dos patamares de renda. Esta retomada, porém, está relacionada com a criação de
vagas de trabalho.
O próximo
boletim abordará o impacto do auxílio emergencial na desigualdade geral, não
somente de renda do trabalho. Neste sentido, Salata adianta que o auxílio
emergencial de R$ 600 pago pelo governo durante a pandemia conseguiu diminuir
as desigualdades nas regiões metropolitanas.
O benefício
foi prorrogado até o final do ano, mas a R$ 300 nos três últimos meses, e o
governo não prevê mantê-lo em 2021.
Como
dificilmente o valor será mantido, a desigualdade geral deve aumentar",
avalia Salata.
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