22 fevereiro 2023

Carnaval plural

Somos todos iguais

Cícero Belmar*

 

Oh, meu santo Galo da Madrugada! Meu divino Homem da Meia Noite! Andei dizendo umas bobagens sobre o Carnaval. Falei que parecia uma idiotice sair por aí dando cambalhotas no ar só porque as orquestras rasgam frevos nas ruas. Afirmei que era risível subir e descer aquelas ladeiras de Olinda, traçando uns passos, pagando de multicultural, atrás de um boneco gigante.

Sim, eu falei mesmo. Mas eu estou aqui para fazer uma revisão. Em primeiro lugar, olha o tempo do verbo: pretérito perfeito. Numa hora tipo bossa nova eu questionei o que há de bom e engraçado em sair por aí fantasiado de pierrô, diabinho ou de anjo, beber cerveja quente de litrão, não ter onde se sentar para descansar depois do oitavo bloco, debaixo de um sol escaldante?

E disse mais que era um exercício cansativo de alegria obrigatória ficar no meio de uma multidão que não tem fim, enfrentando empurra-empurra, e otras cositas más, com um sorriso na cara, e quando chegar a hora de voltar para casa, andar léguas para pegar um transporte.

Mas, quando eu pensei e disse toda essa heresia é porque estava fazendo um comparativo com aquilo que seria o contrário disso. Assegurei que bom mesmo era ficar tomando a cervejinha na mesa de um bar, sendo atendido por um garçom, que lhe serve bebida gelada, e você ouve música ambiente, tendo um banheiro à sua disposição.

Quem me refrescou a memória foi o escritor e crítico de literatura Ney Anderson, que também é meu amigo e me mandou um whatsapp um dia desses para lembrar a minha eventual antipernambucanidade. Baco e Dionísio que me perdoem. Mas eu juro, meus santos Capiba, Levino e Antônio Maria, que eu falei isso num momento ruim, sem levar em conta a função existencial da galhofa e da folia.

Sabe essas frases que a criatura diz sem nenhuma reflexão filosófica? Querido amigo Ney, o fim dessas poucas palavras é para desdizer o que eu disse antes. Mudei de ideia. Fui antropofágico demais. Você, como bom escritor, sabe muito bem o quanto é importante essa capacidade de uma personagem reajustar o pensamento. De desdizer as palavras, que não voltam à boca. Sem essas reviravoltas, o que seriam das tramas?

Na minha cabeça de pernambucano da gema, acho agora que o carnaval da minha terra é uma celebração linda e maravilhosa, que combina cores e ritmos; irreverência e lirismo; alegria e história; cultura e espontaneidade; sagrado e profano. E vamos deixar de conversa porque agora só restam dois dias dessa pândega com permissão legal.

Acho que eu tinha um certo ranço com carnaval porque fui repórter de jornal e só fazia trabalhar nesse período. Era muito trabalho enquanto o resto do todo mundo estava atrás das orquestras. Naquele jornal, inclusive, havia um Manual de Redação que proibia usar a expressão “irreverência” para adjetivar os blocos de frevo que tomam contam das ruas do Recife e de Olinda.

As matérias jornalísticas de carnaval não poderiam citar esse clichê. Mas o que seria das tradições se não fossem os clichês? Além dessa, as expressões cores e ritmos também estavam proibidas por serem lugares-comuns. Mas hoje eu me pergunto como dizer que uma festa é popular sem ver que são feitas de cores e ritmos?

Com certeza o que me fez mudar de percepção foi a pandemia do novo coronavírus. Nos anos de 2021 e 2022 a folia foi suspensa pelas autoridades sanitárias, para evitar as aglomerações. Juro que me deu saudade até de uma mãozada que levei de um boneco gigante, quando fazia evoluções.

No sábado do ano passado, me peguei lamentando que aquele seria o dia do Galo da Madrugada que, para o bem e para o mal, merece mesmo esse título de maior bloco de carnaval do mundo. Senti saudade sim. Hoje, para mim, Carnaval é o contrário de pandemia. Enquanto houver alegria na rua, este mundo ainda tem jeito.

Então, viva a diversidade e a popularidade, o riso frouxo e magia, o pluralismo e a fantasia, o dionisíaco e o antropológico, a contemporaneidade e a tradição do Carnaval de Pernambuco. Evoé nações africanas, maracatus de orquestras, tribos de índios, caboclinhos, cavalos marinhos, bois, papangus, caretas, troças, ursos, clubes de alegorias e de máscaras, escolas de samba e bonecos gigantes.

É o frevo, meu bem https://bit.ly/3Ye45TD

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