20 fevereiro 2008

Democracia e poder local

Artigo semanal no Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online):
O Recife e a democracia
Luciano Siqueira

Brasil e Portugal são, obviamente, países muito diferentes. As experiências de governo, idem. Mas o diálogo com gestores públicos locais, assim mesmo, implica constatações importantes. É o que fazemos desde ontem, a convite do Partido Comunista Português - o secretário nacional de Relações Institucionais e Políticas Públicas do PCdoB, Ronald Freitas, e eu.

Uma questão veio à tona em nosso primeiro dia de trabalho – a democratização da gestão pública. De pronto Jorge Cordeiro, do Secretariado Nacional do PCP, explica que os Municípios e as Freguesias, que conformam a administração local, não gozam de plena autonomia financeira, daí por que o orçamento participativo não é viável. O Estado português é unitário, diferente do sistema federativo do Brasil. As principais políticas públicas são da alçada do governo central, sobrando ao poder local tarefas de menor porte, acessórias, que realiza com dotação orçamentária reduzida, quase exclusivamente para o custeio. Daí a prática democrática se centra no debate e na decisão sobre o plano de atividades. E há casos em que há uma considerável mobilização do povo nesse sentido, como veremos ainda hoje, quarta-feira, em Moura, ao norte de Lisboa, onde há um movimento de defesa da água pública.

O contraste, de outra parte, realça o quanto temos avançado no Brasil, desde a Constituição de 1988, na prática de mecanismos democráticos de relacionamento entre a sociedade e os governos locais.

Recife é um exemplo emblemático. O nosso Orçamento Participativo tem sido uma experiência muito rica. Em sete anos envolveu, cumulativamente, cerca de 700 mil pessoas e deliberou sobre quase 300 milhões de reais de investimentos diretos, aproximadamente a metade de todas as intervenções feitas com recursos próprios. Nem se compara com o que encontramos da gestão que nos antecedeu, onde apenas uma nesga dos investimentos passava pelo crivo da sociedade. Nem caiu do céu, é criação peculiar do nosso governo, a partir mesmo de 2001. Levamos em consideração a tradição participativa do povo da cidade, que vem desde os governos de Pelópidas da Silveira e Miguel Arraes, antes do Golpe Militar de 1964, e entre 1985 e 1988, no primeiro governo do então prefeito Jarbas Vasconcelos. Observamos também experiências bem sucedidas de outras cidades do país, sem contudo copiá-las. E buscamos nosso próprio formato – para o que tem sido muito importante a contribuição do secretário João da Costa e da equipe de governo.

Mais: quase que duplicamos os Conselhos Setoriais e lhes demos um caráter democrático, paritário entre o governo e a sociedade civil. Tornamos as Conferências Municipais uma rotina de avaliação crítica, de proposições novas e de debate com a sociedade no intuito de aprimorarmos as políticas públicas. O prefeito e o vice-prefeito participam diretamente da mediação de conflitos entre diferentes setores da sociedade e da abordagem de pleitos que nos chegam, às vezes em desacordo com opções administrativas que adotamos.

Há deficiências. Ainda é necessário aprimorar o OP e assegurar dinamismo aos Conselhos (o que depende não apenas do governo, mas da iniciativa das parcelas da sociedade neles envolvidas). Corrigir falhas e insuficiências.

Porém tem sido um aprendizado e tanto a democratização da gestão pública em nossa cidade. E um esforço sério para inserir na vida social e política parcelas do povo economicamente excluídas, ajudando-as a que lutem pela sua emancipação mediante a presença ativa nos espaços públicos constituídos para sediar os conflitos na sociedade.

Num país como o nosso, onde em 119 anos de República tem predominado governos autoritários, e por isso a prática da democracia jamais se consolidou (desde 1985, dá-se o lapso de tempo mais prolongado de vigência do Estado de direito democrático), o que realizamos no Recife tem, assim, um valor estratégico para elevação da consciência política dos seus habitantes.

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