06 fevereiro 2008

O rico negócio do Carnaval

Artigo de toda quarta-feira no Blog de Jamildo (JC Online):
Carnaval, alegria e lucro
Luciano Siqueira

No livro II de O Capital, Karl Marx demonstra como, no capitalismo, tudo termina por se converter em mercadoria. Bens materiais e imateriais.

Quem não se lembra da profusão de bonés, camisetas, broches e toda sorte de objetos com o rosto de Ernesto Che Guevara, produzidos em larga escala por empresas multinacionais, que invadiram o mercado no mundo inteiro por ocasião dos trinta anos de sua morte, em 1997? Um dos baluartes da luta anticapitalista na América Latina tratado como objeto de consumo pelo sistema.

No Carnaval acontece algo semelhante. Pelo menos no Brasil, onde a festa surgiu em 1723, com a vinda de portugueses oriundos das Ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde, e ganhou feição de luta popular por volta de 1830, na esteira da dicotomia entre os bailes de elite e a algazarra de rua, o entrudo, em que os foliões jogavam água e pó uns nos outros. É que depois da chegada da família real portuguesa e da Independência, tornou-se de bom tom imitar os franceses – na cultura, nas artes, nos costumes. E o entrudo passou a ser visto com maus olhos, teria que ceder lugar aos desfiles de carros alegóricos, realizados pelas grandes sociedades, a base de máscaras, fantasias ao estilo europeu, confetes e serpentinas, exclusivos da classe dominante. Ao povo cabia apenas o papel de expectador.

Daí se reprimir a teimosia do populacho que se organizava em blocos de percussão, no Rio de Janeiro, e em agremiações de frevo, no Recife, por exemplo.

No Recife, a massa era proibida de participar dos desfiles até o fim do século 19, como analisa a pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco Rita de Cássia Barbosa de Araújo, no belíssimo artigo “Carnaval do Recife: a alegria guerreira” (revista Estudos Avançados – USP, abril de 1997). É daí que vêm as raízes do caráter manifestamente democrático do Carnaval que aqui se realiza. No Recife, em Olinda, nas demais cidades metropolitanas e do interior, o pernambucano cai no frevo ou se deixa envolver pelo batuque eletrizante do maracatu, livre e espontaneamente, nas praças e nas ruas. Não precisa pagar.

Pois bem. O Carnaval continua uma imensa festa popular, que só perde em nível de participação, pelo menos no Nordeste, para os festejos juninos. Mas também virou um grande negócio – que vai da microeconomia informal aos vultosos investimentos das grandes empresas, em ações de relacionamento, de marketing e de publicidade. Só no Rio de Janeiro, em 2007, devem ter sido investidos mais de R$ 100 milhões – com retorno garantido, dizem os especialistas.

Investimentos e lucros envolvendo marcas de vervejas, vodka e outras bebidas, cadeias de supermercados, montadoras de automóveis e o que mais se possa imaginar.

Vale também para a propaganda institucional. O destino Recife terá sido oferecido via enredo da Mangueira a cerca de quatrocentos milhões de telespectadores, segundo estimativa da Rede Globo, que transmitiu o desfile das escolas de samba do Rio para mais de cem países. Bom para o turismo local.

Marx tinha razão, sim senhor. E viva o frevo!

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