Contrastes de carnaval
Luciano Siqueira
Leio no Twitter da prefeitura de Olinda informações quentíssimas sobre o desfile das “Virgens” e, na postagem seguinte, a conspícua notícia de que a partir das 10 horas haverá canto gregoriano no Mosteiro de São Bento. Carnaval é assim: contrastes para todos os gostos.
Afastado da folia de Momo desde que, vice-prefeito do Recife, que fui por oito anos consecutivos, não tinha a liberdade de ir à rua com a simplicidade costumeira – tênis, bermuda, camiseta e seja o que Deus quiser -, apenas me divirto à distância com notícias como essas. E com as imagens na TV, quando tenho saco pra isso. Ou as fotos nos jornais.
Por isso não estranho que se misture o espetáculo de seres do gênero masculino fantasiados como se fossem do gênero feminino (veja a linguagem solene) com a serenidade mística do canto gregoriano na voz de bem comportados monges. Na rua também é assim: tem gente alegre, gente triste; gente que está ali para se divertir e gente que vai “para soltar a franga”; gente que exulta de felicidade e gente que purga fracassos nos negócios e no amor. Gente que na quarta feira de cinzas (os que param na quarta-feira) enfrenta religiosamente ressaca e dores amorosas, e gente que com um bom suco de limão e muita água mineral já se levanta de bem com a vida, celebrando a beleza do amor correspondido.
No Brasil, são territórios democráticos a praia, o campo de futebol e o carnaval de rua (gratuito e livre, em Pernambuco). Por isso todos têm os mesmos direitos: o cara que conversa em voz alta no guarda-sol ao lado, proclamando aos quatro ventos o que a gente não quer ouvir; o que liga o radinho de pilha a todo volume aqui na arquibancada, como se a gente também precisasse de um narrador para entender o que se passa dentro do campo; e o sujeito que amarra a burra junto de mim e quer porque quer discutir política em plena folia.
Desses chatos que querem a minha opinião sobre as medidas anti-inflacionárias justo na hora em que o Elefante vai passando, o frevo rasgado e a multidão em delírio, já me livrei há muito tempo. Porque fico longe, como já expliquei.
Aos estádios já não vou desde que minhas duas filhas eram pequenas, por uma escolha pessoal: nunca troquei um bom domingo com elas e a mãe por uma partida do chamado esporte bretão.
Praia, prefiro as quase desertas. Em Boa Viagem, que frequento, simplesmente caminho – livre portanto da turma que faz questão de contar a vida para quem tiver por perto ouvir.
Você que me lê agora pode até ficar com má impressão: “Esse cara tá ficando um velho chato”. Não é isso, creia. Porque gosto de tudo – de praia, de futebol e de carnaval. Gosto dos contrastes da vida. Acredito, como Castro Alves, que a dor e o prazer, a tristeza e a alegria são as expressões mais nítidas da existência humana. Apenas não gosto de gente chata. Só isso.
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