Ensaios de um novo cenário
Luciano Siqueira
Estamos nos primeiros cem dias do governo Dilma, cedo demais para firmar juízo de valor consistente. Entretanto, surgem sinais de um novo cenário em formação em que o papel dos agentes políticos tende a ser pelo menos parcialmente diverso do que ocorreu nos dois governos sucessivos do presidente Lula.
“Continuar é avançar”, dizia Dilma em campanha. “A presidenta inicia o governo com a faca e o queijo”, assinalavam analistas impressionados com a folgada vantagem das forças governistas no Senado e na Câmara dos Deputados. “Não contaremos com um cenário internacional favorável, teremos que explorar nossas próprias potencialidades”, anunciou a presidenta logo que confirmada a vitória nas urnas.
Ditas assim, as coisas pareciam arrumadas numa direção positiva. Mas a realidade não é tão simples. A começar que a maioria parlamentar guarda em seu âmago uma correlação de forças que não privilegia as correntes mais avançadas, comprometidas com um novo projeto de desenvolvimento do país que enterre por completo a herança neoliberal. A turma da meia embreagem é bem mais forte do que a turma da ruptura. Além disso, o núcleo duro do novo governo parece desprovido de convicções mudancistas mais profundas. E as principais decisões tomadas apontam um rumo muito modesto, para não dizer conservador.
As opções se colocam na ordem do dia – e o governo faz suas escolhas. Mantém basicamente a mesma equação monetarista que privilegia as metas anti-inflacionárias, o cambio flexível, a permeabilidade ao fluxo de capitais externos e a política de juros altos. E quando se trata de seguir transferindo renda, assume a quebra de braços com a representação sindical dos trabalhadores e impõe a alternativa mais austera.
Cálculo da Federação das Indústrias de São Paulo, citado em editorial do Vermelho, indica que o governo federal vai gastar com juros este ano 200 bilhões de reais, muito acima da soma dos gastos previstos com Saúde (72 bilhões) e Educação (60 bilhões). A elevação de 0,5 ponto percentual acrescenta nove bilhões de reais por ano à despesa pública, dinheiro que vai abastecer ainda mais os cofres improdutivos da oligarquia financeira. Ele daria, segundo a entidade dos industriais paulistas, para construir 390 mil casas do Minha Casa Minha vida ou custear mais da metade do Bolsa Família durante todo este ano.
Mais claro do que isso só a luz de um dia ensolarado. O que sugere a necessidade ingente de dois elementos de resistência: uma postura mais ofensiva das correntes à esquerda, no interior da coalizão governista; e um papel mais saliente do movimento social.
Se não é possível precisamente deslocar o eixo de gravidade das decisões governamentais dos gabinetes para as ruas, possível e necessário é fazer com que nas ruas se dê a legítima pressão em favor do desenvolvimento segundo os interesses fundamentais dos que vivem do trabalho.
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