Muitas Copas
Luciano Siqueira
Na TV, uma enxurrada de reportagens sobre a Copa do Mundo –
todas as Copas. Revividas, revistas e reinterpretadas por mil ângulos. Dados
curiosos, informações preciosas sobre craques do passado e os destaques de cada
time atual – e todos os têm, até as menos expressivas seleções, em geral
atletas que prestam seus serviços em campeonatos europeus. Raros são os bons jogadores
que ainda se mantêm em seus países: se têm talento, o grande capital os leva
para brilharem em outras terras. Antes um privilégio de brasileiros, argentinos
e uruguaios; hoje, de outros sul-americanos, norte-americanos e caribenhos; de
japoneses e, sobretudo, africanos. A gente vê os jogos como quem assiste a um
desfile de notáveis de todas as nacionalidades.
Nem sempre as seleções nacionais integradas por estrelas
européias têm o desempenho esperado. Faltam-lhes entrosamento, espírito de
equipe, amontoados de grandes astros que são. Times aparentemente mais modestos,
como a Croácia no jogo contra Camarões, exibem belo espetáculo coletivo,
equilibrando talentos individuais com um conjunto harmonioso e combativo.
As tais reportagens sobre as muitas Copas teimam em
retroceder ao desastre de 1950 como que para lembrar que os mais fracos – os
uruguaios de então – podem vencer os mais fortes mediante coragem, determinação,
combatividade e astúcia. Cenas de 1950, em preto e branco, parecem mexer numa
ferida que deveria ter sido sarada em 1958, 1962 e 1970, que assinalaram
vitórias extraordinárias do escrete canarinho, frutos de superioridade notável,
mescla de talento, futebol arte e aplicação tática.
A essa altura da vida, já percorridas algumas décadas de
estrada e de paixão pelo futebol, as muitas Copas são como teclas que uma vez
tocadas refazem registros marcantes.
A Copa de 1954 nunca me saiu da memória. Garoto pequenino,
mal compreendia aquela algazarra em torno do alto falante na esquina das ruas
São João e Alberto Silva, na Lagoa Seca, em Natal, na calçada da Mercearia
Natalense, do meu pai. O primeiro jogo foi Brasil 5 x 0 México. O som nos
chegava permeado por ruídos. Mas ouvíamos a narração de cada lance como se estivéssemos
na Suíça, imaginando cada jogada. Na terrível derrota contra a Hungria – o
melhor selecionado de então -, todos entramos em campo para brigar ao lado do
inconformado Nilton Santos.
A Copa de 1958 foi uma descoberta: o Brasil, lá no estrangeiro,
mostrou o seu valor com a bola no pé. Creio que foi a partir daí que a seleção
passou a ser associada (pela menos em minha mente) à afirmação da
nacionalidade, a tal Pátria de chuteiras enaltecida por Nelson Rodrigues. Assim
como a de 1962, em que a contusão de Pelé deu azo a que o gênio de Garrincha se
afirmasse perante o mundo. A de 1970 passou a impressão de que jamais
perderíamos um torneio, tal a supremacia daquele time maravilhoso.
Da Copa de 1974, guardei apenas um longínquo grito de gol e
a informação, ouvida de um carcereiro do Doi-Codi, de que se tratava de um
golaço de Rivelino, contra quem não sei, nunca procurei saber.
Vencemos mais duas Copas, mas com gosto aguado – agora sob
os esquemas fechados de Parreira e Felipão. Teria que ser assim, dizem. Desde
muito já não há espaços em campo para o drible desconcertante, o lançamento à
longa distância, jogadas de real beleza. Será? Tenho pra mim que nesta Copa das
Copas, de doze cidades-sedes e muita vibração, os astros da bola voltaram a nos
encantar com lances monumentais, verdadeiras homenagens a Pelé, Didi,
Garrincha, Puskas, Di Stefano, Maradona e outros que, no seu tempo, pintaram
belíssimas aquarelas com a bola na ponta da chuteira. (Publicado no portal Vermelho)
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