20 junho 2014

Na ponta da chuteira

Muitas Copas

Luciano Siqueira

Na TV, uma enxurrada de reportagens sobre a Copa do Mundo – todas as Copas. Revividas, revistas e reinterpretadas por mil ângulos. Dados curiosos, informações preciosas sobre craques do passado e os destaques de cada time atual – e todos os têm, até as menos expressivas seleções, em geral atletas que prestam seus serviços em campeonatos europeus. Raros são os bons jogadores que ainda se mantêm em seus países: se têm talento, o grande capital os leva para brilharem em outras terras. Antes um privilégio de brasileiros, argentinos e uruguaios; hoje, de outros sul-americanos, norte-americanos e caribenhos; de japoneses e, sobretudo, africanos. A gente vê os jogos como quem assiste a um desfile de notáveis de todas as nacionalidades.

Nem sempre as seleções nacionais integradas por estrelas européias têm o desempenho esperado. Faltam-lhes entrosamento, espírito de equipe, amontoados de grandes astros que são. Times aparentemente mais modestos, como a Croácia no jogo contra Camarões, exibem belo espetáculo coletivo, equilibrando talentos individuais com um conjunto harmonioso e combativo.

As tais reportagens sobre as muitas Copas teimam em retroceder ao desastre de 1950 como que para lembrar que os mais fracos – os uruguaios de então – podem vencer os mais fortes mediante coragem, determinação, combatividade e astúcia. Cenas de 1950, em preto e branco, parecem mexer numa ferida que deveria ter sido sarada em 1958, 1962 e 1970, que assinalaram vitórias extraordinárias do escrete canarinho, frutos de superioridade notável, mescla de talento, futebol arte e aplicação tática.

A essa altura da vida, já percorridas algumas décadas de estrada e de paixão pelo futebol, as muitas Copas são como teclas que uma vez tocadas refazem registros marcantes.

A Copa de 1954 nunca me saiu da memória. Garoto pequenino, mal compreendia aquela algazarra em torno do alto falante na esquina das ruas São João e Alberto Silva, na Lagoa Seca, em Natal, na calçada da Mercearia Natalense, do meu pai. O primeiro jogo foi Brasil 5 x 0 México. O som nos chegava permeado por ruídos. Mas ouvíamos a narração de cada lance como se estivéssemos na Suíça, imaginando cada jogada. Na terrível derrota contra a Hungria – o melhor selecionado de então -, todos entramos em campo para brigar ao lado do inconformado Nilton Santos.

A Copa de 1958 foi uma descoberta: o Brasil, lá no estrangeiro, mostrou o seu valor com a bola no pé. Creio que foi a partir daí que a seleção passou a ser associada (pela menos em minha mente) à afirmação da nacionalidade, a tal Pátria de chuteiras enaltecida por Nelson Rodrigues. Assim como a de 1962, em que a contusão de Pelé deu azo a que o gênio de Garrincha se afirmasse perante o mundo. A de 1970 passou a impressão de que jamais perderíamos um torneio, tal a supremacia daquele time maravilhoso.
Da Copa de 1974, guardei apenas um longínquo grito de gol e a informação, ouvida de um carcereiro do Doi-Codi, de que se tratava de um golaço de Rivelino, contra quem não sei, nunca procurei saber.

Vencemos mais duas Copas, mas com gosto aguado – agora sob os esquemas fechados de Parreira e Felipão. Teria que ser assim, dizem. Desde muito já não há espaços em campo para o drible desconcertante, o lançamento à longa distância, jogadas de real beleza. Será? Tenho pra mim que nesta Copa das Copas, de doze cidades-sedes e muita vibração, os astros da bola voltaram a nos encantar com lances monumentais, verdadeiras homenagens a Pelé, Didi, Garrincha, Puskas, Di Stefano, Maradona e outros que, no seu tempo, pintaram belíssimas aquarelas com a bola na ponta da chuteira. (Publicado no portal Vermelho) 

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