Meu pedido nas nuvens
Luciano
Siqueira
Por
viajar com certa frequência, faz muito tempo perdi o fascínio que tinha (quando
criança) por andar de avião. Antigamente, nos bons tempos da Varig de generoso
serviço de bordo, fazia gosto. Aperitivo (não raro um bom uísque), a refeição
principal, cafezinho ao ponto e licor para arrematar. Coisa do século passado.
Hoje,
serviço de bordo decente só em viagem internacional, e olhe lá. Depende da
companhia aérea. A TAP mesmo, que oferece bom cardápio, naufraga feio nos modos
(ou na falta de modos, como dizia minha mãe) de suas aeromoças irritadiças e
descabeladas. Aquelas mulheres grosseiras perdem feio para nossas comissárias
brasileiras, feias ou bonitas, impecáveis em gentilezas, cabelos presos a gel.
Pois
bem. Leio agora sobre uma pesquisa feita junto a mais de três mil tripulantes
de uma companhia norte-americana destinada a revelar os pedidos mais frequentes
dos passageiros. Tem de tudo. Desde querer saber onde fica (na aeronave) a
lanchonete do McDonald’s (eca!) até que o piloto desligue os
motores por causa do barulho. Abrir a janela, muita gente pede. Massagem na
boneca Barbie, idem. Isso sem falar nos que querem saber a localização dos
chuveiros, para um bom banho a bordo...
Isso é lá na terra de Obama. Aqui em nosso país
tropical abençoado por Deus, não sei de nenhuma pesquisa semelhante.
Provavelmente os pedidos fora de esquadro sejam outros, tipo ligar a TV para
ver o jogo do Brasileirão ou uma boa caipirinha. Nunca ouvi nada assim, mas
admito que viajantes de todos os naipes em algum momento imaginem coisas desse
tipo.
Da minha parte, seria muito menos pretensioso. Se
pudesse, solicitaria encarecidamente que mudasse de lugar o passageiro ao lado
que não me deixa ler em paz, insiste em me interromper com assuntos os mais
bobos e, diante da minha tenaz resistência, desiste, mas cai em sono profundo
movido a ronco de motocicleta.
Vira e mexe tenho a má sorte de uma companhia
inconveniente. Certa vez, num longo voo de duas escalas do Recife a Florianópolis,
dei o azar de viajar com uma jovem gestante que, por descuido meu, me descobriu
médico e me bombardeou com um milhão de perguntas sobre o parto, os cuidados
com o recém-nascido, as doenças possíveis na primeira infância e tudo o mais
que lhe deu na telha! Enquanto isso, sequer pude folhear o volume de Memórias
póstumas de Brás Cubas, de Machado, que naquele dia atraia a minha atenção. Se
não me engano, parei naquela frase: “...Marcela amou-me durante quinze meses e
onze contos de réis; nada menos.”
Por isso converti-me no passageiro mais chato do
mundo: sento, abro o livro e sequer cumprimento quem está ao meu lado, seja lá
quem for. (Publicado no portal Vermelho).
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