Alegria e drama no São João digital
Luciano Siqueira
A parte Nordeste do país costuma
celebrar o São João com festejos de dimensão igual ou superior ao carnaval.
Em Pernambuco, nos bairros populares do
Recife e da Região Metropolitana e nas cidades interioranas, milhares são as ruas
onde se queimam fogueiras e se organizam “palhoções“, em que se dança, se bebe
e se festeja com parentes, amigos e vizinhos.
Para alegria de todos e para o aquecimento
da economia.
Este São João em tempo de pandemia está
acontecendo quase exclusivamente na realidade virtual. Parte da minha família
mesmo, que sempre organizou a festa com fogueira, quadrilha improvisada, cachaça
e forró — tradição iniciada por dona Maria, minha sogra, que se viva estivesse
teria feito ontem 103 anos de idade —, desta vez teve que transbordar a alegria
através de videoconferência.
Não deixa de ser uma forma criativa de
contornar dificuldades, assim como as inúmeras “lives” protagonizadas por
cantores e bandas, vistas na telinha dos smartphones.
Porém nada pode evitar prejuízos da
ordem de 1 bilhão de reais, considerando as principais festas de rua em
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia. Maior se ainda se
acrescentarmos toda a microeconomia que gira na região.
Brutal queda na arrecada prevista de
ICMS. Aguçamento das dificuldades fiscais de governos estaduais e prefeituras.
Acrescente-se a previsão do Banco
Mundial de uma retração do PIB brasileiro este ano da ordem 8% — a pior marca
em 150 anos, desde quando se considera registros oficiais passíveis de análise.
Aos novos governantes de nossos
municípios, que tomarão posse em janeiro, o dever de terem debaixo do braço
dois planos: um emergencial, para os primeiros meses de governo; e outro para
os quatro anos de mandato, sob condições que na esperança de cada um sejam
menos agravadas do que a no início.
Apesar de tudo, quase totalmente pelas
redes e não nas ruas, e sob a terrível ameaça da Covid-19, não se deixa de dar
vivas a São João.
Hoje cedo, uma amiga se queixou pelo
WhatsApp: “Ficarei ausente das redes. Não posso me sentir mal por ver todos em
festa como se nada estivesse acontecendo...”. Ao que respondi: “Não veja por
esse ângulo. Feliz um povo que apesar das dificuldades mantém sua tradição
cultural e consegue experimentar instantes de alegria!”
Celebremos por todos os que resistem e
pelos que já se foram, e que homenageamos – como nos versos de Manuel Bandeira:
“Hoje não ouço
mais as vozes daquele tempo/Minha avó/Meu avô/Totônio Rodrigues/Tomásia/Rosa/Onde
estão todos eles?/– Estão todos dormindo/Estão todos deitados/Dormindo.
Profundamente.” (Originariamente publicada em 23.6.20200
Ficar em casa é necessário, mas não é simples https://bit.ly/2zr8M61
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