Relatório da ONU vê
agravamento de desigualdade com pandemia e baixo crescimento de Brasil e
vizinhos
No Brasil, os 10% mais ricos
concentram 57% da renda nacional; e a crise sanitária deve piorar o cenário
Bernardo Caram,
Folha de S. Paulo
A América
Latina está presa em uma “armadilha do desenvolvimento”, com alta desigualdade de
renda e baixo crescimento econômico —problema agora agravado pelos efeitos da
pandemia da Covid-19. A conclusão é do Pnud (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento), que divulga nesta terça-feira (22) o Relatório Regional de
Desenvolvimento Humano para a América Latina e o Caribe.
As soluções,
de acordo com o documento, passam por aprimoramentos em políticas sociais,
combate à violência e redução da concentração de poder econômico e político.
A chegada da
crise sanitária do coronavírus, diz o documento, pesou mais fortemente sobre
aqueles que já eram deixados para trás, ampliando as desigualdades ao
longo de 2020 e 2021. A perda de renda se deu em maior intensidade sobre os
mais pobres, especialmente os informais.
O documento
lembra que a América Latina se tornou o epicentro da Covid-19, o que
desencadeou crises econômicas e sociais. O aumento da pobreza e da fome se
associou a um espaço fiscal limitado, o que dificulta a implementação de
medidas pelos governos. Para o Pnud, a reconstrução pode levar muito tempo.
Entre as
maiores preocupações, o relatório cita o impacto desigual da crise sanitária
sobre estudantes. Há barreiras aos mais pobres, como na dificuldade de acesso a
ferramentas tecnológicas em casa e na disparidade na formação dos familiares.
“O nível de
escolaridade dos adultos na América Latina ainda é altamente determinado pelo
nível de escolaridade dos pais. É provável que a Covid-19 reforce esse padrão”,
diz o relatório.
Os países da América Latina observaram uma redução generalizada nos índices de desigualdade entre 2000 e 2010. No caso do Brasil, o órgão da ONU (Organização das Nações Unidas) menciona como fator importante a política de reajuste do salário mínimo.
A partir de
2010, o ritmo de melhora foi perdendo força, chegando a uma estagnação nos
últimos anos. Alguns países do continente reverteram a trajetória e observaram
uma piora do índice antes mesmo da chegada da pandemia do coronavírus.
Um dos
sintomas apresentados pelo Pnud para a desigualdade no Brasil é
a fatia de renda acumulada pela elite. Os 10% mais ricos do país detêm 57% da
renda nacional, atrás apenas da concentração observada no Chile e no México em
uma avaliação feita com dez países do continente.
A desigualdade
tem diferentes camadas que são analisadas pelo Pnud. O órgão menciona, por
exemplo, a diferença de oportunidades entre homens e mulheres. No Brasil, elas
ganham em média 25% a menos do que homens com características e formação
equivalentes.
O documento
ainda destaca a discriminação enfrentada por pessoas LGBT+ no mercado de
trabalho, além de serem mais frequentemente vítimas de violência. O documento
ressalta que minorias étnicas continuam a sofrer com falta de reconhecimento e
ficam para trás no acesso a serviços básicos.
O relatório
afirma que o desempenho econômico da América Latina nas últimas décadas é
caracterizado por alta volatilidade e resultado medíocre. O crescimento médio
dos países costuma oscilar entre 0% e 3% ao ano.
Segundo o
órgão, um fator determinante para esses resultados é a baixa produtividade
comum aos países latino-americanos.
O relatório
traz uma pesquisa que busca compreender o que as pessoas pensam sobre a
desigualdade. O argumento é que é importante conhecer a percepção de injustiça
porque ela determina as atitudes políticas das sociedades.
No Brasil, por
exemplo, 86% das pessoas acham que a distribuição de renda é
injusta (a média da América Latina é de 81%). Além disso, 74%
dos brasileiros acreditam que são governados por interesses de pequenos e
poderosos grupos (média de 77% no continente).
De acordo com
o Pnud, a concentração de poder nas mãos de poucos é um dos fatores que tendem
a ampliar a desigualdade e o baixo crescimento. Esses grupos influenciam a
elaboração de políticas distorcidas. E, segundo o documento, a América Latina é
dominada por um pequeno número de empresas gigantes com alto nível de poder.
“Essa influência
é exercida por meio de interferência nas reformas tributárias, de formas que
vão desde o bloqueio de aumento de impostos para empresas e proprietários de
empresas até o comprometimento de recursos fiscais, pressionando por isenções e
subsídios para suas operações, o que impede gastos redistributivos”, afirma.
Para eliminar
essas distorções, o órgão da ONU sugere a revisão das regras de mercado para
eliminar o favorecimento de interesses privados, além da promoção do debate
sobre como tributar os
super-ricos.
Outro ponto
central para a proliferação da desigualdade está na violência. A América Latina
abriga 9% da população mundial, mas é responsável por 34% das mortes violentas
registradas no mundo.
Na pandemia,
um fator se agravou de forma relevante nessa área, segundo o documento. Houve
aumento da incidência de violência doméstica.
Para o Pnud,
por ser vivenciada de forma desproporcional por pessoas que já se encontram em
situação de fragilidade, a violência contribui para perpetuar a privação dessas
populações. Além disso, ela deteriora direitos, piora a saúde física e mental,
reduz resultados educacionais e limita a participação no mercado de trabalho.
Como forma de
enfrentamento do problema, a ONU sugere estabelecer sistemas de Justiça mais
efetivos, melhorar estatísticas, promover empoderamento econômico feminino e
discutir a descriminalização de substâncias hoje ilícitas.
Outro problema
observado no Brasil e países vizinhos é o mercado de trabalho segmentado entre
formais e informais. Este último grupo é menos protegido, recebe serviços de
qualidade inferior e tem maior dificuldade de melhorar as condições de renda.
O Pnud afirma
que a pobreza caiu na América Latina principalmente por causa de programas de
transferência direta de recursos, e não tanto porque a renda auferida por conta
própria pelos mais pobres aumentou.
O órgão afirma
que a proteção social aos vulneráveis é uma das principais ferramentas para
mitigar as desigualdades e sugere que toda a população exposta a um determinado
risco seja coberta pelo mesmo programa, sem fragmentação.
.
Veja: Vale resistir agora para evitar o pior https://youtu.be/VKvI9Ht196U
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