30 dezembro 2024

Palavra de poeta: Chico de Assis

PARA ALÉM DO PRESENTE
Chico de Assis   

O último dia do ano 
pode não ser o último do tempo
— como diz o poeta Drummond.
 
Mas pode ser esse inventário 
de cicatrizes distribuído 
entre deslizes desconhecidos. 
 
Ninguém me orientou 
para o pisar clandestino 
deste solo movediço. 
 
Nenhuma voz entoou
comigo o coro de lamentações 
tardiamente orquestradas.
 
Nenhum desejo plantou 
sementes que florescessem 
entre os canteiros da estrada. 
 
Estive só quase sempre. 
E de solidão ressequido 
atravesso os umbrais do tempo. 
 
Meu corpo ainda se recobre
com a pele macerada dos      prisioneiros
e carrega o peso das noites insones. 
 
Mas minha mente é luz. 
E eu ainda espero o poema
que  nos ilumine séculos afora. 
 
Acompanho o poeta Benedetti:
“Ainda há vida nos teus sonhos.
Cada dia é um novo  começo!”

[Ilustração: D. Barton]

Leia também: 'Quando dezembro passar' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2014/11/uma-cronica-para-descontrair_28.html  

Um comentário:

Luiza Cavalho de Lima disse...

Muito inteligente, processual nas suas linhas carrega as marcas na linha do tempo individual e de um coletivo