Xadrez de 2025 e as cinco bestas do apocalipse
2025 será decisivo para o renascimento institucional do país, depois do terremoto entre 2010 e 2022, período de desmonte das instituições
Luis Nassif/Jornal GGN
2025 será um ano decisivo para o primeiro passo do renascimento institucional do país.O Brasil passou pelo terremoto da década de 2010 – que começa com o jornalismo de esgoto, a partir de 2005, e encerra-se com a derrota de Jair Bolsonaro em 2022.
Nesse período ocorreu um desmonte geral das instituições, abrindo espaço para o aventureirismo mais deletério já enfrentado pelo país em período democrático – sob os auspícios do Supremo Tribunal Federal, indo à reboque do efeito manada provocado pela mídia.
Criou-se um vácuo político que passou a ser ocupado a cotoveladas pelas principais corporações brasileiras.
Nesse período de trevas, pelo menos as seguintes instituições saíram dos trilhos:
- O Supremo Tribunal Federal, cooptado pela mídia com o uso recorrente do chicote e da cenoura e, como consequência, a Justiça. Especial destaque para a justiça federal, dentro do fenômeno Lava Jato, com juízes federais insurgindo-se contra a Constituição, como foi o caso Sérgio Moro, sendo avalizados pela participação escabrosa do Tribunal Regional Federal da 4a Região, criando o estado de exceção para a Lava Jato. No seu rastro, houve a politização dos ministérios públicos estaduais, com muitos promotores montando acordos políticos com forças municipais, deixando o campo aberto para o avanço do crime organizado através das Organizações Sociais.
- Militares das Forças Armadas e das Polícias Militares com atuação política, e empenhados claramente no movimento conspiratório de Bolsonaro-Braga Neto.
- A Câmara dos Deputados, dominada por uma organização chantagista, chefiada pelo deputado federal Arthur Lira.
- O mercado financeiro, dominado por um cartel de grandes fundos, impondo seus interesses e controlando totalmente dois preços fundamentais: o câmbio e os juros.
O Supremo Tribunal Federal
A reinstitucionalização passa por várias etapas.
Apesar de todas as concessões, o STF acordou a tempo e foi a primeira instituição a reagir ao desmonte institucional, da qual ela foi agente ativo, pelo menos até a eleição de Bolsonaro.
Um dia, Antônio Dias Toffoli e Alexandre Moraes revelarão as razões que levaram à abertura do chamado Inquérito do Fim do Mundo. Na época, Toffoli me convidou para uma conversa em São Paulo, falou da urgência de se começar a investigar o que estava ocorrendo. Não deu maiores detalhes.
Mas ficou claro que já tinham identificado os preparativos de um futuro golpe de Estado a ser aplicado por Bolsonaro. O inquérito foi entregue a Alexandre Moraes, que se cercou de um conjunto de assessores de sua estreita confiança. Ali começou a ser preparada a resistência que, mais tarde, impediu a concretização do golpe e permitiu a apuração da conspiração bolsonarista-militar.
A astúcia e coragem pessoal de Moraes o absolvem de todos os erros anteriores – um dos quais foi ter aberto o governo Temer a militares com histórico de golpismo, como Sérgio Etchegoyen. Entrará para a história como peça central de defesa da democracia.
A partir de sua atuação, gradativamente o STF assumiu o papel de âncora central da reinstitucionalização, ajudando a enfrentar as cinco bestas do apocalipse da democracia.
Besta 1 – a desorganização da Justiça
O profundo processo de deterioração dos organismos judiciários – tribunais, Ministérios Públicos, Polícia Federal – depende fundamentalmente de quatro instituições, em geral bastante corporativistas:
- Supremo Tribunal Federal
- Conselho Nacional de Justiça
- Conselho Nacional do Ministério Público
- Procuradoria Geral da República.
O STF já se recolocou.
O Conselho Nacional de Justiça se redimiu, através do relatório do ex-corregedor Luiz Felipe Salomão, sobre os abusos da Lava Jato e do Tribunal Regional Federal da 4a Região.
A cumplicidade entre a Lava Jato, juízes federais e o Tribunal Federal Regional da 4a Região é um dos capítulos mais vergonhosos da história jurídica do país. O ápice foi a 8a Turma aumentando, de forma unânime (contrariando qualquer análise probabilística), as penas de Lula, para evitar a prescrição por idade.
Os responsáveis foram os desembargadores João Pedro Gebran Neto (relator), Leandro Paulsen e Carlos Eduardo Thompson Flores.
O segundo episódio foi a constituição de uma fundação, destinada a desviar dinheiro da Lava Jato.
Esse esquema começou a ser desmontado na gestão Augusto Aras, na Procuradoria Geral da República, mas, especialmente, pelo relatório da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, por Luiz Felipe Salomão.
Foi a recolocação do CNJ na restauração da institucionalidade.
A resistência a esse processo restaurador da justiça emperra em dois poderes.
Um, a Procuradoria Geral da República, especificamente o PGR Paulo Gonet; outra o Secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo.
O PGR Gonet mantém engavetado o inquérito de Salomão – que acusa de peculato diretamente o ex-juiz Sérgio Moro, a juíza Gabriela Hardt e o ex-procurador Deltan Dallagnol -, e tem criado dificuldades para a apuração dos desvios do juiz Marcelo Bretas, o halterofilista acusado de cumplicidade com um advogado neófito, na operação no Rio de Janeiro.
O Secretário Sarrubbo, por sua vez, está empenhado em desmoralizar uma correição do Conselho Nacional do Ministério Público, que atingiu um promotor aliado.
O CNMP era visto, até então, como o mais corporativista das organizações do sistema judicial. Justo em uma área – as prefeituras – em que se amplia perigosamente a atuação do crime organizado e contra a qual os promotores estaduais deveriam estar na linha de frente.
O órgão começou a se redimir em São João da Boa Vista, investigando a atuação de um promotor aliado da prefeita local, com contratos suspeitos nas áreas de lixo e saúde. São os dois setores preferenciais de atuação das organizações criminosas, segundo o promotor Lincoln Gakiya, que lidera o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de São Paulo.
A investigação sofreu interferência direta de Sarrubbo, responsável pela organização do combate ao crime organizado do Ministério da Justiça, interferindo nas investigações do CNMP, como testemunha de defesa do promotor e com ataques ao corregedor responsável pela correição original -mostrando que se valeu do inquérito para acerto de contas pessoal.
Como os promotores estaduais deveriam ser a linha de frente contra o avanço do PCC nas Organizações Sociais, a presença de Sarrubbo traz indagações concretas sobre qual seu grau de compromisso no combate efetivo às organizações criminosas. E como ficará sua situação política, se as investigações da PF baterem no promotor aliado.
Esse inquérito será fundamental para se avaliar até que ponto o CNMP – e o próprio Ministério da Justiça – estão à altura do grande desafio de colocar os MPs estaduais alinhados no combate ao crime organizado.
Besta 2 – a conspiração militar
Graças ao papel decisivo de Alexandre Moraes, a prisão do general Braga Neto operou como um divisor de águas na história militar do país. Com um comandante legalista no Exército, com a Marinha expurgada do Almirante Almir Garnier, o comandante que apoiou o golpe tentado por Bolsonaro, com informações sobre a resistência do Alto Comando ao golpe – sejam quais foram seus motivos -, há condições objetivas de, pela primeira vez na história, as Forças Armadas cumprirem sua função institucional de defesa da pátria contra inimigos externos, deixando de lado a contaminação recente, estimulada pelo general Villas Boas.
Haverá a renovação do Alto Comando, permitindo a seleção de oficiais comprometidos com a democracia. Mas a profissionalização das Forças Armadas passa por reformas estruturais que estão longe de serem tentadas. E há um bom contingente de oficiais, de coronéis para baixo, de olho nas benesses conquistadas pelos militares que trocaram a dignidade da farda pela recompensa financeira de aderir ao bolsonarismo.
Será uma das principais frentes para a consolidação da re-institucionalização nacional.
Besta 3 – a conspiração das Polícias Militares
O empoderamento das Polícias Militares foi uma das principais armas articuladas pelo bolsonarismo. O motim de 2020, da PM de Fortaleza, a milicialização da PM paulista por Tarcísio-Derrite, o papel da PM do Distrito Federal no 8 de janeiro.
Seria conveniente uma leitura do livro “O Procurador”, de Luiz Costa Pinto, sobre a articulação dos procuradores gerais para evitar o golpe de Bolsonaro. Houve uma articulação discreta, através da qual os procuradores estaduais decretaram estado de emergência, obrigando as PMs a ficarem nos quartéis.
Hoje em dia, a violência de várias polícias estaduais revela apenas o nível de empoderamento do setor, com a perda da disciplina produzida pela politização de oficiais, pelos influenciadores digitais da própria PM.
Ponto central seria o controle a ser exercido pelos Ministérios Públicos estaduais. Daí a relevância do papel fiscalizador do CNMP e o desserviço prestado pelo Secretário Sarrubo.
Besta 4 – a conspiração do Centrão
No segundo ato político mais relevante do ano, o Ministro Flávio Dino, do STF, aplicou um xeque mate no Centrão, sem interferir nas prerrogativas da Câmara ou do Executivo. Exigiu apenas que fossem identificados os autores e os destinatários das emendas.
Lembra um pouco o que ocorreu em São Paulo, nos massacres de 2006. Eram assassinadas cerca de cem pessoas por dia. O massacre só cessou quando procuradores da República conversaram com o Conselho Regional de Medicina que convocou médicos para comparecem ao Instituto Médico Legal. O laudo do legista é o ponto de partida para qualquer inquérito ou denúncia. Imediatamente cessou o morticínio, embora até hoje o Secretário de Segurança da época, Saulo de Castro Abreu, não tenha sido judicialmente responsabilizado.
O CPF e o CGC nas emendas são o ponto de partida para a investigação policial. A decisão de Dino ocorre em um momento em que a Polícia Federal investiga emendas já liberadas, mostrando relações de deputados com o crime organizado.
Pode terminar a blindagem que até agora beneficiou Arthur Lira, em um período em que a vulnerabilidade institucional permitia a chantagem política. Os desdobramentos da decisão poderão desarticular a mais desmoralizante organização política que já atuou no Congresso Nacional.
Besta 5 – a conspiração do mercado
A última besta é o controle do mercado sobre dois preços básicos da economia: câmbio e juros.
Há duas formas de controle: o institucional, baseado no conjunto de regras definido pelo sistema de metas inflacionárias; e a atuação de um cartel, no câmbio e em juros.
Já começou o combate às duas formas de atuação.
Em relação ao cartel do câmbio, há denúncias formalizadas no CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) e na CVM (Conselho de Valores Mobiliários). São duas organizações capturadas pelo mercado. Mas, como envolve custos públicos – de carregamento da dívida – a AGU (Advocacia Geral da União) poderá acionar o TCU (Tribunal de Contas da União), a CGU (Conroladoria Geral da União) e até a Polícia Federal.
Um trabalho mais apurado seria possível com uma cooperação com a polícia do Reino Unido, que apurou nas manipulações do câmbio e da libor. A Procuradoria Geral da República poderia montar um grupo para estudar esses ângulos do crime financeiro. Seria uma maneira de se redimir do corporativismo que a contamina e. conferir um papel de destaque ao MPF.
A segunda frente é em relação às formas de fixação da taxa Selic. Há ações em andamento, com todo cuidado que o tema merece, sem histrionismo, sem ameaçar o mercado, apenas trazendo questões de constitucionalidade: a política monetária afeta emprego, nível de atividade, orçamento público. Sua definição não pode ser prerrogativa do mercado e do Banco Central – como é hoje, com o BC submetido aos movimentos especulativos do mercado. E trazer o mercado de volta ao seu papel legitimador: o de financiador do desenvolvimento.
Trata-se de um movimento inicial, mas relevante para começar a discussão de um novo tempo de cidadania, que acabe com os superpoderes de todos esses agentes, que se prevaleceram nas últimas décadas do enfraquecimento do poder Executivo.
Leia: 'A República no campo de batalha' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_72.html
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