24 dezembro 2024

Editorial do 'Vermelho'

Mercado impôs pacote fiscal negativo, porém a aprovação se configurou essencial à estabilidade do governo Lula
Impõe-se enfrentar e romper as pressões. Dar mais consistência à frente ampla, em torno do desenvolvimento e do progresso social, da afirmação da soberania nacional e da defesa democracia.
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A aprovação das medidas do pacote de corte de gastos do governo se deu em meio a uma acirrada e assimétrica batalha de âmbito econômico e político. O mercado financeiro, com seu gigantesco peso econômico, político e ideológico, jogou pesado para arrancar o máximo de recursos do Estado. A batalha transcendeu o conteúdo do pacote. Nitidamente, a ofensiva da oligarquia financeira, além se servir aos seus ganhos exorbitantes, se dirige a um objetivo maior: debilitar o governo Lula e criar as condições para a vitória de uma candidatura presidencial ultra neoliberal em 2026.

No âmbito político, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal protelaram as votações por insatisfações com a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF) – apoiado por outros ministros –, sobre a suspensão do pagamento das emendas parlamentares, exigindo regras mais transparentes no uso do dinheiro público. O presidente Lula entrou em ação para reduzir os impactos da queda de braço. 

Contudo, o intervalo de 20 dias entre o anúncio do pacote e o início de sua tramitação na Câmara dos Deputados, nas vésperas do recesso parlamentar, deu fôlego a uma ação sincronizada entre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o mercado financeiro, os monopólios da mídia, a extrema-direita e outros setores a ela agregados.

Tal investida, alimentada pela cantilena de uma falsa crise fiscal e de escalada da inflação, igualmente mentirosa, aproveitou-se da cirurgia e do período de convalescência do presidente Lula, para atacar o governo em três frentes: aumento da taxa básica de juros, a Selic, em um ponto percentual; ataque especulativo contra o Real, que demandou a venda de quase US$ 28 bilhões das reservas internacionais até esta sexta-feira (20) para neutralizar a elevação, em grande medida, artificial do dólar; e uma pressão sobre o Congresso Nacional, que dificultou ao máximo as iniciativas da esquerda e de outros setores progressistas para empreender mediações que resguardassem os direitos do povo e dos trabalhadores. 

Diante dessa circunstância, na qual uma derrota do governo, objetivamente, teria como resultante o recrudescimento da ofensiva da oligarquia financeira com graves consequências para a estabilidade do governo Lula, a bancada do PCdoB na Câmara dos Deputados, conjuntamente com quase todas as demais legendas da esquerda, decidiu, mesmo frontalmente divergindo de grande parte do conteúdo do pacote, dar um voto favorável ao governo, de natureza política, para rechaçar as investidas dos rentistas e especuladores.

Ao mesmo tempo, a bancada comunista se movimentou, com apresentação de destaques e proposituras, para marcar sua oposição ao corte de direitos, notadamente a mudança nefasta da atual regra de aumento real do salário mínimo, e, também, na busca de reduzir danos e preservar conquistas, no que se alcançou apenas parcialmente, como é o caso das regras do Benefício de Prestação Continuada (BCP), do abono salarial e do Fundeb.

Vieram à tona as contradições que há em toda frente ampla e, também, a composição de classe do Congresso Nacional, com seu perfil majoritariamente conservador. Se há unidade na frente ampla em torno da defesa da democracia, o que é relevante, sobretudo quando se aproxima o julgamento pelo STF de Jair Bolsonaro, Braga Netto, e demais golpistas, o mesmo não ocorre no tema do desenvolvimento e, principalmente, na esfera do progresso social e em relação aos direitos dos trabalhadores.

A proposta que visa o fim dos supersalários no funcionalismo público foi severamente adulterada; a quase totalidade dos tipos de emendas parlamentares que se avolumaram de modo anômalo ficou fora da possibilidade de contingenciamentos. E a proposta de reforma do Imposto de Renda, muito positiva, recebida com entusiasmo pelo povo, isentando quem ganha até R$ 5 mil e criando um imposto de 10% para quem ganha a partir de R$ 50 mil, incluindo ganhos com dividendos, não teve condições políticas de ser, agora, protocolada.

Desde o anúncio do arcabouço fiscal, Roberto Campos Neto comanda a manipulação da taxa básica de juros, a Selic – o Brasil ostenta a posição de país que mais paga encargos da dívida pública no mundo, com uma taxa de 5,97% do Produto Interno Bruto (PIB) –, com o mantra de que é preciso acompanhar as “expectativas” de inflação, o jogo dos porta-vozes do mercado financeiro, sempre a postos para potencializar a grita em torno da alavanca dos juros. O presidente Lula entrou em cena para responder que “se a meta (de inflação) está errada, muda-se a meta”. “O que não é compreensível é imaginar que um empresário vá tomar dinheiro emprestado a essa taxa de juros”, asseverou.

Pode-se antever enorme pressão sobre o novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. A última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deixou definido aumentos de um ponto percentual na Selic nas duas próximas reuniões. O mercado financeiro pressiona, desde já,  para superar esse patamar, com repercussão na taxa de juros futuros, elevados a previsões estratosféricas.

Esse ataque tem a ver também com o cenário internacional, permeado pelo fluxo de dólares de acordo com os juros nos Estados Unidos, o centro da crise do capitalismo, que subiram após a pandemia da Covid-19 quando houve no país um surto de inflação. Mesmo com as tímidas quedas recentes, a tendência do mercado financeiro é jogar na desvalorização das moedas em outras regiões do planeta, tendência que tende a se agravar com a posse de Donald Trump na Casa Branca.

A soma das dimensões econômica e política revela uma nítida jogada para desestabilizar o governo, inviabilizando seu projeto de desenvolvimento com inclusão social. Fica nítido o objetivo de abortar o bom momento da economia para abrir caminho a um governo radicalmente neoliberal, tendência pode se acirrar com as pesquisas que indicam o favoritismo de Lula nas eleições de 2026.

O governo Lula enfrenta uma batalha de grandes proporções. O mercado financeiro e a extrema-direita querem aprisioná-lo nas grades de um contínuo “ajuste fiscal” e numa espiral de juros altos.

Impõe-se enfrentar e romper essas pressões. Dar mais consistência à frente ampla, em torno do desenvolvimento e do progresso social, da afirmação da soberania nacional e da defesa democracia. Sob a liderança do presidente Lula, com a mobilização do povo, unidade e protagonismo da esquerda e do conjunto das forças progressistas, irá se construir as condições para que o governo retome a iniciativa e dê sequência à reconstrução nacional, ao crescimento econômico, com geração de empregos, melhores salários e mais direitos.

Leia: Uma nova grande bolha ameaça a economia mundial https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/ameacas-na-economia-global.html

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