Feira
dos milagres
Wisława Szymborska
Um milagre comum:
isso de acontecerem muitos milagres comuns.
Um milagre normal:
no silêncio da noite
o latido de cães invisíveis.
Um milagre entre tantos:
uma nuvenzinha etérea e pequena
que consegue ocultar a lua grande e pesada.
Vários milagres em um:
um amieiro refletido na água
estar virado da esquerda para a direita,
crescer ali com a copa para baixo
e não atingir nunca o fundo,
embora a água seja rasa.
Um milagre na ordem do dia:
vento leve a moderado,
tempestuoso nas tormentas.
Um primeiro milagre melhor:
as vacas são vacas.
Um outro não pior:
este e não outro pomar
desta e não outra semente.
Um milagre sem fraque nem cartola:
pombas brancas levantando voo.
Um milagre — pois como chamá-lo:
o sol hoje nasceu às três e catorze
e vai se pôr às vinte mais um minuto.
Um milagre que não causa tanto espanto quanto devia:
há na verdade menos de seis dedos na mão,
porém mais de quatro.
Um milagre, é só olhar em volta:
o mundo onipresente.
Um milagre extra, como extra é tudo:
o inimaginável
é imaginável.
[Ilustração: István Sandórfi]
Leia: "Entre lembrar e fazer" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/09/minha-opiniao-escolha.html
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