14 janeiro 2025

Por que a Groenlândia?

A Groenlândia além do gelo
A corrida por recursos e rotas no Ártico coloca em ação o realismo de Trump
Bruno Quintiliano/Le Monde Diplomatique


A última vez que vi alguém tão empolgado com a Groenlândia foi em uma partida de War. Claro, no jogo de tabuleiro a maior ilha do mundo é um território estratégico para as ambições dos jogadores, visto que ela fornece uma ligação entre a América do Norte e a Europa. Fora do tabuleiro, a Groenlândia, um território autônomo da Dinamarca, parece menos glamorosa, sendo mais conhecida por sua vastidão gelada, uma população escassa (57 mil habitantes) e uma modesta economia, ao ponto de depender de um subsídio anual dinamarquês de US$ 500 milhões que representa mais da metade do seu orçamento público. No entanto, Donald Trump, como um jogador que viu em seu objetivo “Conquiste a Groenlândia para Ganhar o Jogo”, lançou-se na campanha Make Greenland Great Again.

Neste texto, vou explorar os dois principais motivos que levaram Trump a colocar o frio da Groenlândia no calor das disputas geopolíticas. 

Recursos minerais

De maneira curiosa, a mudança climática está acelerando a competição geopolítica no Ártico, à medida que o derretimento de gelo torna mais fácil o acesso a recursos naturais antes inacessíveis, como petróleo e minerais estratégicos. Embora coberta de gelo, a Groenlândia abriga vastos recursos naturais inexplorados, incluindo mais de 43 dos 50 elementos raros essenciais para o avanço da tecnologia limpa.

Em 2023, o governo dinamarquês publicou um relatório destacando a ilha da Groenlândia como um grande depósito de minerais estratégicos, revelando que a região possui reservas significativas de cobalto, grafite, lítio e níquel, fundamentais para indústrias em pleno crescimento, como baterias e veículos elétricos (New York Times, 2024). Além disso, em 2022, a CNN divulgou que um grupo de bilionários, incluindo nomes como Jeff Bezos, Michael Bloomberg e Bill Gates, estava investindo na Kobold Metals, uma empresa de exploração mineral com foco na Groenlândia. Kurt House, CEO da empresa declarou à CNN na época: “Estamos procurando um depósito que será o maior ou segundo maior depósito sig nificativo de níquel e cobalto do mundo” (CNN, 2022). Outra evidência do potencial exploratório da região, é um estudo da Agência Federal de Informação Energética dos Estados Unidos, divulgado em 2012, que revelou que o Ártico contém cerca de 13% das reservas de petróleo e 30% das reservas de gás natural ainda não descobertas (EIA, 2012).

Rotas marítimas

O degelo no Ártico também tem impulsionado a abertura de novas rotas de navegação marítima, atraindo o interesse de potências como China e Rússia que estão trabalhando em conjunto para desenvolver essas passagens estratégicas. Em novembro de 2024, o jornal South China Morning Post, divulgou que as duas nações chegaram a um consenso sobre a cooperação na Rota do Mar do Norte (ver Imagem 1), que se estende desde a Escandinávia até o Estreito de Bering (SCMP, 2024).

Outro dado relevante é o aumento de 37% na navegação no Ártico entre 2013 e 2023 (Arctic Council, 2024). Esse crescimento reflete como a redução do gelo tem facilitado o acesso a regiões antes remotas, em um momento em que o mundo busca alternativas para encurtar rotas marítimas. Além disso, estima-se que a Rota do Mar do Norte reduza em até 40% a distância de navegação entre portos no noroeste europeu e o Extremo Oriente, quando comparada à tradicional rota pelo Canal de Suez (Journal of Transport Geography, 2011).

Trump não é o primeiro presidente americano a almejar a aquisição da Groenlândia. Harry Truman, em 1945, também demonstrou interesse em comprar a ilha após a Segunda Guerra Mundial, como parte de uma estratégia para conter a expansão das forças soviéticas. Oito décadas depois, Trump recorre à mesma lógica estratégica, observando a crescente presença da Rússia e da China no Ártico.

É relevante destacar que a política externa dos Estados Unidos tem voltado sua atenção para a Groenlândia, um foco que se intensificou recentemente. Durante o seu primeiro mandato, Trump reabriu o consulado americano na região e comprometeu-se a destinar mais de 12 milhões de dólares em ajuda. Já sob a presidência de Biden, foi assinado um acordo de 12 anos para a manutenção da Base Aérea de Thule, que vem se tornando cada vez mais importante para o governo dos Estados Unidos, consolidando a presença militar americana na ilha com um investimento de 3,95 bilhões de dólares.

Ao trazer à tona o desejo de “conquistar” a Groenlândia, Trump revive um sonho antigo. A ilha, assim como em um jogo de War, não é apenas um pedaço de terra, mas um ponto crucial em um jogo maior de poder, segurança e recursos. A questão vai além de uma simples disputa por território, ela é tão peculiar que faz Trump crer nas mudanças climáticas e apelar para a questão de segurança nacional. A proteção do mundo livre, evocada por Trump é a representação do realismo nas relações internacionais que enfatiza a busca pelo poder, segurança e os interesses nacionais como motivadores centrais da política externa de um Estado.

Bruno Quintiliano é natural do Rio de Janeiro e graduado em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Atualmente, atua no setor de Relações Governamentais, com foco em análise de políticas públicas.

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Leia sobre a decadência da Europa: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/europa-decadente.html 

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