13 janeiro 2025

Meu artigo no Portal Grabois (2)

Presente e futuro na luta cotidiana: a reforma urbana, por exemplo 
Luciano Siqueira* instagram.com/lucianosiqueira65

Na concepção leninista, a tática é a estratégia no horizonte político visível. Em outras palavras, a luta no tempo presente só se faz consequente quando acumula forças tendo em vista o objetivo estratégico. 

O Programa Socialista para o Brasil, do PCdoB (1), traduz esse conceito ao reafirmar o socialismo como projeto estratégico e a luta por um conjunto de reformas estruturais — nenhuma delas de caráter socialista, diga-se —, enfeixadas como Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, como meio de acúmulo de forças.

Demandam luta prolongada e renhida, mediante a qual será possível, a partir de vitórias expressivas, elevar o padrão de vida material e espiritual do povo e o seu nível de consciência e de organização, permitindo-o vislumbrar o socialismo como necessidade.

Desde que assim concebido, no 12⁰ Congresso partidário, em 2009, o programa tem suscitado muitas abordagens teóricas e práticas, conforme diferentes conjunturas políticas, tanto quanto a possibilidade concreta de se pugnar pelas reformas pretendidas é mediada pela correlação de forças, favorável ou desfavorável. 

Reforma urbana

Tomemos como referência a luta pela reforma urbana, que conjuntamente com as reformas política, educacional, tributária, agrária, dos meios de comunicação e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, dá conteúdo ao denominado Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.

Em situações adversas, obviamente, a consecução de tais reformas se mostra mais difícil no tempo e no espaço. O que não deve implicar em “arquivá-las” temporariamente, como aparentemente acontece na atual cena política do país.

Muito sintomático que ao tomarem posse em 1 janeiro último, nenhum prefeito de capital ou de cidades de grande porte, filiados a partidos de esquerda ou progressistas, tenha sequer se referido ao planejamento urbano, dando ênfase apenas a iniciativas imediatas relacionadas com serviços públicos considerados essenciais. 

O que parece refletir uma espécie de defensivo politico imediatista, reflexo da atual situação, sob muitos aspectos adversa, em plano nacional e local.

Entretanto, no tempo presente, problemas estruturais das cidades grandes e médias e dos conglomerados que as cercam a partir de polos mais dinâmicos – regiões metropolitanas - têm se agravado.

Mas a abordagem de tais problemas neste patamar esteve praticamente ausente no debate eleitoral recente, mesmo quando correntes democráticas e de esquerda tiveram participação ativa na disputa e alcançaram êxito.

Numa dimensão nacional, o atual governo Lula, apoiado em ampla frente democrática e progressista, tem suas pretensões a uma “reconstrução nacional” represadas mediante pesada e constante pressão oposicionista, onde pontificam a maioria conservadora e de extrema direita na Câmara dos Deputados e no Senado e o complexo midiático dominante, essencialmente comprometido com o capital financeiro e o agronegócio exportador.

Uma luta necessária e oportuna

Nesse contexto, a mobilização social se impõe como imprescindível e, nas cidades, há que se inspirar, sobretudo, no ideário da reforma urbana.

É óbvia a estreita relação entre o padrão de vida na cidade e a natureza do desenvolvimento do país. Em apenas cinco décadas, o país se tornou essencialmente urbano, quando se processou extraordinária inversão da relação entre a população rural e a urbana, na esteira da industrialização deflagrada no final da década de 20 e início dos anos 30, combinadamente com a inexistência de uma reforma agrária distributiva – ambos motivos da gigantesca transferência de populações da área rural para as cidades.

No início dos anos 40 do século passado residia nas cidades apenas 31% da população; mas já por volta dos anos 80, 75% ocupava as áreas urbanas. Em 2000, a população considerada urbana já perfazia 82% a população do país, segundo o IBGE.

Ocupação do território urbano feita predominantemente de modo desordenado e desigual, espelho do capitalismo de tipo dependente, precocemente monopolizado, concentrador da produção, da renda e da riqueza e socialmente excludente que marca a sociedade brasileira.

Assim, no contexto da resistência ao neoliberalismo – peleja cotidiana que trava o governo Lula e parte das forças integrantes da coalizão governista – reformas estruturais seguem como bandeiras necessárias, ainda que dimensionadas realisticamente nas atuais circunstâncias.

Experiência das últimas décadas

Vale mencionar que as “reformas de base” pretendidas desde o início dos anos 60 – razão, inclusive, do golpe civil-militar de 1964 – permaneceram não apenas necessárias como nunca deixaram de integrar o ideário progressista.

Na prática, seguiram abordadas paulatinamente, conforme as circunstâncias. Jamais deixadas “para depois”.

É o que a experiência dos movimentos sociais urbanos demonstrou mesmo durante os vinte e um anos de ditadura militar.

Do Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis – uma espécie de ponto de partida da luta pela reforma urbana – passando pelo regime militar, quando se esboça, nos anos setenta, através do movimento comunitário por moradia, regularização de loteamentos clandestinos, acesso aos serviços de educação e saúde, e a implantação de infraestrutura nas áreas de ocupação; e, nos anos oitenta, no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte, a instauração do Movimento Nacional pela Reforma Urbana e no primeiro governo Lula a criação do Ministério das Cidades.

Entrementes, a conquista da Lei 6766, que regula o parcelamento do solo e criminaliza o loteador irregular; e a adoção dos artigos 182 e 183 e, em 2001, com a promulgação do Estatuto da Cidade (Lei Nº 257, de 10 de julho de 2001).

O Estatuto da Cidade (2) consigna o "direito urbanístico" (art. 24, I), a "política urbana" (arts. 182 e 183); estabelece "função social" da propriedade urbana e define a obrigatoriedade do Plano Diretor como a concretização desses princípios.

Ou seja, põe nas mãos do governo local uma gama de instrumentos legais que possibilitam a gestão democrática do território. E nas mãos do movimento popular, uma agenda densa, mobilizadora e sempre atual.

Evidente que isto depende não apenas do contexto político nacional, mas igualmente da correlação de forças em plano local – envolvendo o governo, a Câmara Municipal e as forças sociais ativas.

De tal modo que, mesmo quando predominam correntes conservadoras, é possível, por exemplo, explorar a oportunidade da iniciativa popular na formulação de leis, audiências públicas para exame do Plano Diretor e da Lei Orçamentária, as Conferências e Conselhos setoriais.

Nada fácil, óbvio. Vários dispositivos do Estatuto da Cidade – como o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança), por exemplo - dependem, para sua plena observância prática, de regulamentação pela Câmara dos Vereadores, a partir de proposição do Executivo (3).

Ou seja, tudo demanda mobilização social e política – e, portanto, luta concreta no sentido do acúmulo de forças mirando o novo projeto de nação.

Situações momentaneamente adversas sempre foram frequentes como componentes irremediáveis do transcurso de lutas políticas de longo alcance. Porém jamais podem ser tomadas como razão para o abandono, mesmo temporário, de bandeiras de luta avançadas. 

Referências

(1   (1) Programa Socialista para o Brasil – o fortalecimento da nação é o caminho, o socialismo é o rumo.

(2  (2)Rolnik, Raquel: Estatuto da Cidade – instrumento para as cidades que sonham crescer com justiça e beleza

(3  (3) Maricato, Ermínia: "Reforma Urbana: Limites e Possibilidades. Uma Trajetória Incompleta".

*Ex-vice-prefeito do Recife por quatro mandatos, membro do Comitê Central do PCdoB

Leia também: "Mergulhar fundo para avançar na superfície" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/meu-artigo-no-portal-da-fundacao.html

Um comentário:

Anônimo disse...

Falta uma política de Estado. O.msxo que vemos são políticas de governos, quase sempre com fins eleitorais e não estrutura dores nem voltados só bem estar coletivo Audisio