22 fevereiro 2007

"Confissões de um quase ex-folião"

Nosso artigo semanal no Blog de Jamildo (ex-Blog do JC), publicado hoje:

Pra começo de conversa, com a devida permissão do editor deste Blog do JC, um trecho de artigo da lavra desse modesto escriba, publicado no livro “O Vermelho é verde-amarelo” (Editora Anita Garibaldi, 2005):

O carnaval de Pernambuco é ímpar. A começar pela tradição, palmilhada por uma história guerreira. Pois foi com muita luta que os pernambucanos, recifenses em particular, conquistaram o direito de ganhar as ruas e fazer a folia - conforme nos ensina, dentre outros, a pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco Rita de Cássia Barbosa de Araújo, autora do belíssimo artigo “Carnaval do Recife: a alegria guerreira” (revista Estudos Avançados – USP, abril de 1997).

No final do século XIX e início do século XX, só às elites era reservado esse direito — que desfilava suas alegorias e clubes de máscaras, cabendo à ralé apenas o papel de expectadora. E foi enfrentando proibição legal e muita repressão policial que os trabalhadores, a gente pobre da cidade, literalmente abriram alas e puderam brincar. Daí a natural associação entre diversas agremiações carnavalescas e a categoria profissional dos seus integrantes, revelando traços de união entre a luta por direitos corporativos e a pugna pela liberdade de participar dos folguedos. Vassourinhas, Pás Douradas, Lavadeiras, Lenhadores e tantos outros surgiram dessa simbiose lúdico-combativa.

Provavelmente aí se encontram as raízes do caráter absolutamente democrático do carnaval que aqui se realiza. No Recife, em Olinda, nas demais cidades litorâneas e interioranas, o pernambucano cai no frevo ou se deixa envolver pelo batuque eletrizante do maracatu, livre e espontaneamente, nas praças e nas ruas. Não precisa pagar.

Aqui certamente não vingaria um carnaval argentário como o do Rio de Janeiro, realizado no Sambódromo, do qual o povo foi afastado (como se queixa Oscar Niemeyer em entrevista recente) pela discriminação econômica. Nem se poderia imaginar o Elefante de Olinda ou Pitombeira dos Quatro Cantos protegidos por cordões de isolamento e impondo a compra daquela espécie de bata que se vê em Salvador. A massa "freveria" de novo e iria à guerra pelo sagrado direito de viver suas fantasias, dores, sonhos, amores, tristezas, esperanças e alegrias no ambiente de liberdade conquistado há um século.

Feita a transcrição, o leitor bem que poderia perguntar por onde andou o autor dessas linhas, que não foi visto no Galo da Madrugada, no Marco Zero, na Praça do Arsenal, nem nas ladeiras de Olnda?

A quem interessar possa (e deve interessar a quase ninguém), fica registrado que esse modesto vice-prefeito do Recife inteirou o sexto ano longe da folia. Está ficando quase ex-folião.

Por uma razão muito simples. O comum era vestir bermuda e blusa e se misturar na multidão. Compartilhar a alegria geral. Mas o cargo de vice-prefeito impõe uma liturgia que tira toda o tesão. Obriga-nos a cumprir roteiro oficial, monitorado por seguranças e serimonialistas e ainda agüentar ébrios e outros nem tanto, que insistem em tratar de política em plena algazarra.

Melhor retirar-se com a família para uma praia distante, trocar a maravilhosa festa por caminhadas à beira-mar, leitura leve e boa música. E retornar na quarta-feira de cinzas com energias renovadas e disposição redobrada para substituir por alguns dias o prefeito-folião, pois solidariedade também faz parte.

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