01 janeiro 2011

A prosa poética de um jovem cronista

De quem?
Matheus Landim

O garoto tinha um quê de problemático. Não sabia quem era. Disse que sonhara uma vez que era um homem sem rosto, "mas com chapéu", que se olhava em um espelho segurando outro espelho, e o espelho refletia o reflexo, muitas e muitas vezes, um de volta para o outro, vai e vem, vai e volta, uma infinidade de mundos dentro de mundos, dois dentro de um, quatro dentro de dois, mundos mudos, internos, refletidos, virtuais, muitos homens sem rosto dentro de si próprios, cada vez menores, interiores, inferiores, todos um homem só, um espelho só, profundo sem fim, limitados pelas molduras. Ele contou esse sonho a um amigo, que se riu. Má escolha, a do amigo. Ele também tinha um quê de problemático. Era um desses matadores de sonhos profissionais, seres ranzinzas facilmente encontrados em todos os lugares, simplórios, pessimistas que se dizem realistas. Mandou-o fazer poesia, talvez uma crônica, visitar um psicólogo. Falou que ele, definitivamente, deveria escrever sobre isso, senão falar. O garotou passou dias sentado em um barquinho de lembranças, tremulando ao vento das memórias, em um imenso, plácido rio de pensamentos. Às vezes ele ficava exausto de tentar pescar uma ideia, e molhava as mãos no rio calmo, só para se distrair com as ondulações de conceitos que se formavam. Um dia, até choveu lógica. Mas nada vinha. Não conseguia nada. Até tentou escrever uma crônica e um poema, mas não era criativo. Ou pensava que não era. Ou não pensava que era. Sentado em um barquinho, ordenado, condenado a escrever crônicas, talvez poemas, como ele iria saber, se só era um homem sem rosto, "mas com chapéu", segurando um espelho na frente de outro espelho? Ficou preocupado. Não era criativo. Agora ele era um homem sem rosto e sem criatividade, nada menos, nada mais, nada nada, nem crônica, nem poema, nem cronista, nem poeta, nada ninguém.

Nenhum comentário: