18 janeiro 2011

O desastre no Rio de Janeiro e o Código Florestal

Editorial do Vermelho

O debate da mudança do Código Florestal, que já consumiu tempo e tinta desde 2009 – quando o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) iniciou os trabalhos da relatoria da Comissão Especial constituída na Câmara dos Deputados para elaborar um novo projeto de lei – parece ganhar novo alento depois da tragédia da região serrana do Rio de Janeiro.

Ambientalistas e outros opositores da proposta apresentada por Aldo Rebelo voltam à carga, agora fortalecidos pela conjunção de descaso, desmandos e pelo universo de irregularidades que a tragédia expôs com sua contabilidade de destruição e de mortos que supera a quantia de 640 vítimas.

Eles têm razão num aspecto: a ocupação irregular do solo, seja por gente pobre atrás de terrenos baratos seja por privilegiados em busca das “belezas da natureza”, é uma das raízes do desastre. Neste sentido a tragédia ajuda a aprofundar o sentido de responsabilidade pública necessário à formulação de um novo Código Florestal.

Mas a razão termina aí, pois não há como misturar, numa mesma linha de argumentação, a defesa impositiva e urgente das matas e dos rios brasileiros – objetivo precípuo do Código – com a responsabilidade de posturas municipais que regulam a ocupação do solo para uso residencial e a necessária obediência à lei.

A proposta de Código Florestal feita por Aldo Rebelo – que decorre de mais de 60 audiências públicas em 18 Estados – pretende normalizar o uso econômico da terra e criar condições para a eliminação de monstrengos jurídicos que, mudando as regras em períodos de tempo muito curtos, criam a uma situação de insegurança jurídica para os lavradores, principalmente pequenos e médios, jogando milhões deles na ilegalidade.

A proposta abre caminho para retirar da ilegalidade plantações de arroz feitas em várzeas de rios (como se faz em todo o mundo), ou a plantação de café, maçãs e uvas em encostas de morros, e cultivos assemelhados que, pela lei em vigor, não poderiam existir. E cria também a possibilidade, para os pequenos agricultores, de aproveitar melhor suas pequenas propriedades ao isentá-los das regras relativas às reservas legais. A discussão destas propostas caberá, agora, ao plenário da Câmara dos Deputados e o deputado Aldo Rebelo, otimista, prevê a votação até o mês de março.

A recolocação do debate revela também um aspecto do oportunismo dos críticos do projeto de Aldo Rebelo. O Código Florestal proposto é uma orientação legal positiva cuja aplicação caberá aos estados e municípios, responsáveis principais pelas regras do uso do solo para moradia. Pela proposta, as licenças devem ser emitidas com base em critérios técnicos fixados pela lei, e autorizadas pelo órgão ambiental estadual integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

Mas nenhuma lei vai disciplinar realmente esse uso sem uma reforma urbana radical que crie obstáculos severos à especulação imobiliária e criminalize empresários e autoridades de todos os níveis que compactuem com violações das regras, desde as posturas municipais até a regra mais alta, o Código Florestal.

Este é o problema. A mercantilização do uso da terra, o conluio entre autoridades e especuladores, a irresponsabilidade cívica que move a busca do lucro, são verdadeiros “tratores” que reduzem as leis a escombros e criam situações de risco graves como estas que o país, infelizmente, vê reiteradas todo início de ano.

Só um exemplo: a regra em vigor determina um tamanho mínimo para a legalização de lotes para moradia em áreas de preservação de mananciais. Pois bem, é comum que especuladores retalhem estes lotes em pedaços menores para acomodar famílias nessas áreas. O truque: não há escrituras de propriedade para os lotes pequenos, mas só para a unidade com o tamanho mínimo admitido pela lei; assim, as vítimas envolvidas por esta especulação somente uma parte da propriedade registrada pela escritura comum do lote maior de que fazem parte.

Numa situação como esta nenhuma lei pode garantir a proteção ambiental de matas e rios nem a segurança dos moradores que a especulação imobiliária, a ambição e o descaso público empurram para dentro de áreas que deviam ser preservadas.

O Código Florestal sozinho, por mais perfeito que seja, não vai resolver este problema, mesmo estabelecendo parâmetros que podem viabilizar o encontro de uma solução. A questão urgente suscitada por desastres como o da região serrana fluminense, o de Angra dos Reis em 2010, o de Santa Catarina em outros anos, como o de inúmeras catástrofes ambientais que de ano em ano afligem e desesperam a população, precisa ser equacionada através de uma reforma urbana para garantir o direito à moradia, transporte, saneamento e abastecimento de água etc. à população e eliminar a especulação imobiliária que joga com este direito constitucional, faz nascer fortunas que estão entre o ilícito e o imoral e, no limite, destrói vidas, patrimônios e a infraestrutura pública.

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