No Vermelho:
Renato Rabelo: Os desafios dos Partidos Comunistas no século 21
. O mundo ingressou numa fase de transição política que aponta no sentido da construção de uma nova ordem mundial e traz novos desafios aos Partidos Comunistas na luta contra o imperialismo e pelo socialismo. A opinião é do presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, que fez uma conferência sobre o tema na manhã desta quinta-feira (30) durante o Encontro Internacionalista do Partido, que está sendo realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
. Nas atuais condições históricas, segundo o presidente do PCdoB, “é indispensável manter a identidade comunista e ao mesmo tempo atuar no curso real da luta política”. Ainda vivemos, diz, “uma realidade de defensiva estratégica e uma fase de acumulação de forças num sentido revolucionário”
Derrota histórica - Esta fase é, ainda, o desdobramento da derrota da experiência mais significativa do socialismo, efetivada na União Soviética e no leste europeu. “Conseguimos grande êxito com a revolução bolchevique”, comentou. “Ficou demonstrada a grande capacidade do proletariado e o espírito revolucionário do povo soviético, especialmente na 2ª Guerra Mundial, pois quem efetivamente derrotou o nazismo foi o Exército Vermelho. Foi uma trajetória extraordinária, mas chegou ao fim, desabou por dentro”.
. O fim do socialismo real e a restauração do capitalismo em todo o leste europeu configuraram uma derrota de sentido estratégico para o movimento comunista internacional. “A realidade hoje seria bem diferente se a URSS tivesse sobrevivido. Em consequência da derrota a retomada da luta revolucionária pressupõe a acumulação de forças”.
Crise do socialismo - Os comunistas ficaram sem modelo de sociedade para seguir, ao contrário do que ocorria na época da União Soviética, quando cerca de 80% dos artigos publicados nas revistas partidárias provinham da URSS e leste europeu. “Isto nos forçou a buscar alternativas de construção de uma nova sociedade levando em conta a nossa própria realidade concreta. Ainda vivemos uma fase de crise do socialismo”.
. O pano de fundo desta crise é certa estagnação da teoria revolucionária, de acordo com o presidente do PCdoB. “É preciso desenvolver a teoria revolucionária, que obviamente não é a mesma para todas as épocas históricas. A teoria revolucionária da época de Marx era uma, da época de Lênin outra e hoje estamos diante do grande desafio de elaborar a teoria revolucionária para a atualidade”.
A teoria do elo frágil - “Na época de Marx não existiam as condições objetivas de realizar a revolução. A Comuna de Paris foi um ´assalto ao céu´. Marx indicava que para superar o capitalismo é preciso construir uma nova sociedade, mas na compreensão dele a revolução se daria nos países capitalistas mais desenvolvidos. Se queremos construir uma sociedade superior é preciso levar em conta o nível mais elevado das forças produtivas para que as relações de produção pudessem ser superiores”.
. “Só que nada disto aconteceu, este socialismo não aconteceu nessas sociedades mais avançadas”, observou. “A revolução ocorreu nos países mais atrasados e coube a Lênin sistematizar e teorizar as razões disto. Elaborou, então, a teoria revolucionária da época, identificando na chamada periferia do capitalismo o elo mais débil do sistema imperialista, que resulta do desenvolvimento desigual das nações. Foi a saída revolucionária para a época”.
Revolução permanente - Imaginava-se que a revolução iria extrapolar as fronteiras soviéticas, invadir a Europa e se alastrar pelo mundo, o que levou Leon Trotsky a elaborar a teoria da revolução permanente, uma fantasia pequeno-burguesa que até hoje motiva a confusão e o diversionismo nas fileiras revolucionárias.
. A revolução não vingou na Europa. A possibilidade foi esmagada pela burguesia e morreu com o assassinato de Rosa Luxemburgo em 1919. Dado o atraso econômico e político da Rússia e outras nações que compunham a União Soviética, Lênin logo percebeu que seria necessário estimular formas e relações capitalistas de produção para impulsionar as forças produtivas e criar a base material do socialismo.
NEP - “Daí a passagem do comunismo de guerra para a NEP [Nova Política Econômica, que vigorou entre 1921 e 1927 na URSS]”, observou Rabelo. Problema parecido foi sentido, posteriormente, pela China, Vietnã e, mais recentemente, Cuba, deixando claro que o novo sistema preconizado pelos comunistas não advém da vontade de indivíduos, grupos ou partidos, mas do desenvolvimento objetivo da sociedade. “A China realiza hoje uma grande NEP”.
. Como elaborar a teoria nas condições atuais? Conforme Renato Rabelo é preciso considerar os novos fenômenos. Citou, neste sentido, a América Latina, palco de um processo de mudanças que ocorre, singularmente, nos marcos das instituições previamente organizadas e pela via eleitoral. “A compreensão dos novos fenômenos demanda um grande esforço para desenvolver a teoria, que deve estar estreitamente associada à prática. Não estamos aqui para fazer tese acadêmica, desligada da vida”.
Teoria da prática - A teoria tem de considerar a realidade histórica concreta, de forma a servir de guia à prática revolucionária, precisa considerar o fato de que vivemos um momento de transição dada pela necessidade objetiva de uma nova ordem internacional. “Temos em vista que o mundo é constituído por um sistema de poder e que quem está no vértice deste sistema de poder são os EUA”.
. Antes, tivemos a bipolaridade, de um lado a URSS e de outro os EUA, com uma rivalidade explícita entre capitalismo e socialismo. Mas isto acabou. Sobreveio o mundo unipolar, hegemonizado pelo imperialismo estadunidense, em aliança com a Europa e o Japão. “Quando falamos do avanço da transição estamos nos referindo a este sistema de poder”.
Declínio dos EUA - A crise da ordem internacional e a consequente necessidade de mudança, determinante da transição, decorre da tendência histórica de declínio relativo dos EUA, que hoje está mais clara e já não suscita tanto debate. Este declínio foi intensificado pela emergência da crise nos EUA, no final de 2007.
. “Esta crise acelerou o processo de transição, pois a superpotência perdeu muitos meios que tinha nas mãos. A crise atingiu o coração do sistema, por isto é sistêmica. Começou nos EUA e agora o centro da crise é a Europa. Isto tem implicações significativas no processo de transição”, sublinhou o presidente do PCdoB.
Desenvolvimento desigual - Na lógica do desenvolvimento desigual, que atua como lei objetiva da evolução do capitalismo em sua etapa imperialista, enquanto os Estados Unidos e as potências capitalistas tradicionais (Europa e Japão) amargam um processo de declínio, com taxas de crescimento relativamente baixas e declinantes num processo de semi-estagnação, na chamada periferia do sistema surgem polos importantes em que a crise foi logo contornada.
. É o caso concreto da China, que ao longo das últimas décadas cresce a taxas anuais de 10% ao ano. Alguns países da “periferia”, como os integrantes do BRICS, se beneficiaram do crescimento chinês. As divergências nos ritmos de desenvolvimento provocam o progressivo deslocamento do poder econômico mundial dos EUA e da Europa para a China e outros polos emergentes.
Comunistas recuperam influência - “A nova realidade internacional e a mudança do cenário nacional, levando em conta o ciclo político aberto por Lula e continuado por Dilma Rousseff, conferem ao Brasil uma nova dimensão também no quadro internacional”, afirma Renato.
. Tudo isto realça “a importância de atualizar a teoria revolucionária”. O dirigente do PCdoB sustenta que o movimento comunista internacional “começa a recuperar sua influência no processo de acumulação de forças (no sentido ideológico, político e prático da influência concreta na sociedade)”, o que melhora as perspectivas de enfrentar os desafios emergentes do processo de transição e avançar na elaboração teórica e na apresentação de uma alternativa revolucionária concreta ao sistema capitalista e imperialista.
Do Rio de Janeiro, Umberto Martins
Nenhum comentário:
Postar um comentário