26 dezembro 2011

Tempo últil, tempo escravo

A desumana partilha do tempo
Luciano Siqueira

Para o Blog da Revista Algomais

A essa altura da vida, empenhado em render o máximo que posso porque miro o horizonte e vejo que já vivi muito e que não me resta tanto assim, lidar com o tempo não é fácil. Distribuir bem o tempo útil, nessa categoria incluindo o tempo para o amor, o lazer, a leitura e o simples devaneio criativo. Uma peleja diária, que vou levando entretanto sem muito estresse, pois assim perderia muito tempo...

Pois bem. Passada a noite festiva de Natal, mergulho na habitual algazarra dos últimos dias do ano numa casa de praia, com Luci, as meninas netos e agregados. Todos se divertem o tempo todo – e eu mais ou menos, ao olhar dos demais, pois durmo um tanto e leio bastante: para reparar o corpo da canseira acumulada e me deliciar sobretudo com contos, romances, poesia. Há até quem, em desaviso, me critique por “aproveitar pouco”, eu que acho que aproveito bem demais!

Imagine quem leva a vida comprimido entre a rígida carga jornada de trabalho onde bate o ponto todos os dias e o tempo gasto para se locomover de casa ao trabalho e vice-versa. Muitos ainda têm, de quebra, algumas horas de curso noturno.

O fato é que as horas efetivamente destinadas ao descanso ou ao lazer, aos assalariados de nossas médias e grandes cidades têm sido encurtadas na razão direta da explosão urbana. Na Região Metropolitana do Recife, por exemplo, há quem resida em Paulista, trabalhe no Cabo de Santo Agostinho e estude, à noite, no Recife. E ainda faz bico no final de semana para complementar a renda.

Assim saem pelo ralo conquistas históricas do tempo da Revolução Industrial, quando após ingentes lutas trabalhistas foi possível superar as jornadas de trabalho superiores a 14 horas diárias e mais de 80 horas semanais. Como observa Marcio Pochmann, estudioso do mundo do trabalho, desde então, a conquista de férias regulares, do descanso semanal e do teto máximo de oito horas diárias (48 horas semanais) proporcionou a redução da relação do trabalho com o tempo real de vida de mais de dois terços a menos da metade.

Na verdade, com o altíssimo nível de desenvolvimento das forças produtivas atual, em que os progressos da ciência permitem um extraordinário aporte de tecnologia aos sistemas produtivos, seria possível – se a lógica do sistema capitalista não fosse, como é, o lucro máximo via extorsão da mais-valia – reduzir drasticamente a jornada de trabalho de modo a que milhões de excluídos pudessem ingressar na produção e os que trabalham pudessem dedicar mais tempo de suas vidas ao espírito.

Mas aí caímos na natureza injusta do sistema e na razão de ser da luta de muita gente (como o autor dessas linhas) por uma sociedade justa e mais humana. Que justifica, pelo menos a meu juízo, o esforço militante de bem aproveitar o tempo para melhor contribuir para o movimento transformador.

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