Lula Cardoso Aires
Tantos carnavaisLuciano Siqueira
Publicado no portal Vermelho
www.vermelho.org.br e no Blog de
Jamildo 9Jornal do Commercio Online)
Todo carnaval é assim: tenho que responder se vou permanecer
no Recife e em Olinda, sob as ordens de Momo, no compasso eletrizante do frevo ou do batuque
sedutor do maracatu, e se não for, por que não, se gosto ou não gosto e por aí
vai. Avesso a dar explicações sobre minhas escolhas para além da militância
política, termino caindo na tentação de relembrar antigos e recentes carnavais,
das diversas fases de minha vida que ultrapassam as seis décadas, e sobre a
tradição guerreira do carnaval pernambucano.
É que o tríduo momesco, como se dizia antigamente, envolve a
todos – os que caem na folia e os que só observam e até os que se mantêm à distância.
Agora mesmo termino um prazeroso colóquio sobre o tema com
amigos recentes que ainda pouco sabem da minha relação de amor com a festa e
até imaginavam que nutrisse algum sentimento avesso. Reconheço a emoção ao
comentar a verdadeira saga popular dos pernambucanos pobres pelo direito de compartilhar
o chão de nossa terra com as elites e passarem de meros espectadores a foliões
com todos os direitos. Os enfrentamentos com a polícia que reprimiam as
primeiras agremiações populares, no início do século 20, o uso da estrutura
metálica do guarda-chuva como forma de enfrentar a sanha dos meganhas,
resultando nessas peças multicolores e delicadas de hoje, as sombrinhas de
frevo.
Os amigos, um jovem casal que reside no Recife há pouco mais
de dois anos e que literalmente dá os primeiros passos na festança, se espantam
quando digo que nos anos 50, em Natal, onde vivi até o meio da adolescência,
meu pai comprava lança-perfume Rodouro, importada da Argentina, e dava aos
filhos para que fizessem bom uso no assédio aos brotinhos (as gatinhas de
então). Lança-perfume se tornou proibida nos anos 60, na curta presidência de Jânio
Quadros.
Adiante, em pleno rigor da militância clandestina, início
dos anos 70, em Santana do Ipanema, sertão de Alagoas, Luci e eu, emocionados,
descobrimos, durante o cortejo da Escola de Samba Unidos do Monumento, no muro
de uma das ruelas, inscrição antiga de um candidato a vereador pelo Partido
Comunista. Ali mesmo, numa segunda-feira gorda, acompanhei uma charanga que
percorreu quase toda a cidade com batuque improvisado e, já no meio da tarde, a
cabeça a mil pelo excesso de oxidrila, arrisquei um salto espetacular do alto
da ponte para mergulhar no rio e quase morro afogado.
A conversa transcorreu repassando imagens como em vídeo
tape. Carnavais de Olinda, vários. Todos apaixonantes, a partir do primeiro
(para mim e Luci), após sairmos da cadeia, em 1977, quando o prefeito Germano
Coelho, em início de mandato, tendo recebido a prefeitura em situação
calamitosa, sem recursos para apoiar a festa, apelou população que ornamentou
com toalhas, lençóis e tecidos coloridos as fachadas e janelas do sitio
histórico, fazendo a festa com paixão e raça.
Bom, também as lembranças de amores e dores da adolescência
vividos nos quatro dias de fantasia. Passado o tempo, ficaram só as boas
recordações.
O fato é que essa festa que em Pernambuco é rigorosamente
democrática, espontânea e livre, faz muito bem aos viventes que dela fazem bom
proveito. Evoé!
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