Luciano Siqueira
No ônibus que transporta os passageiros da pista do
aeroporto à entrada do setor de desembarque, em Brasília, o jovem me oferece,
respeitosamente, o assento. Recuso agradecido. Ele insiste. Volto a recusar.
Ele então dispara o argumento definitivo: - Faço questão, senhor, sempre cedo o
lugar aos idosos.
Idoso!? Logo eu que ignoro a contagem das décadas vividas
e me vingo vivendo mais ainda, intensamente, tive que me render à deferência e
me aboletei ao lado de um gordo nem tão idoso assim, mas em evidente
desvantagem em relação mim no quesito disposição para a guerra. O dito cujo, em
sua exuberância de paquiderme, exibia enfado de despertar inveja no mais
radical dos preguiçosos.
Pois bem. No caminho para o hotel meu ingresso
oficial na terceira idade não me saiu da mente. Bem que o jovem educado não
errara. Mais gente tem me tratado assim - e não é de agora. Imagens de igual
veredicto foram se revezando como em videoteipe.
- Gosto de ver essa energia. Você ficou um velho
entusiasmado - sapecou outro dia uma amiga, em meio a uma conversa sobre planos
futuros.
- Puxa vida, eu escutando você falar sobre as teses
do 13º. Congresso do Partido e pensando: ah se esse cara só tivesse 40 anos!,
arrematou um militante de Igarassu. E quando acusei o golpe perguntando se me
achava tão gasto assim, tentou um remendo ainda pior: - Não, camarada, você
está em forma; e se tomar mel de abelha rainha vai viver mais quarenta anos!
Tudo bem que eu acredite que ainda tenho muita
estrada pela frente, animado com o aumento da expectativa de vida do
brasileiro, mas mel de abelha rainha é de lascar.
Tem mais. Uma tarde fui tratado como
"tio" por um vendedor da Livraria Saraiva, no shopping Recife, um
marmanjo magricela de evidentes quarenta e tantos anos. E ao comentar a
desfeita com Luci, já transpondo a cancela do estacionamento, o danado de um
flanelinha gritou a súplica:
- Vai 1 real aí, vô?
Realmente, não há o que fazer senão me conformar e
alimentar a autoestima guardando na memória o enxerimento de eleitoras ousadas
durante caminhadas na última campanha eleitoral:
- O vice é coroa, mas dá pro gasto, ora se dá!
Já no quarto do hotel, não resisti e me olhei ao
espelho para conferir o estado da arte do velho animado, que ainda dá pro gasto
e pode ser turbinado com o mel de abelha rainha. Enquanto constatava o óbvio -
como faço todas as manhãs ao fazer a barba e botar um mínimo de ordem nos
cabelos irremediavelmente rebeldes, vi-me recitando em silêncio os versos de
Cora Coralina: “Não te deixes destruir…/Ajuntando novas pedras/e construindo
novos poemas./Recria tua vida, sempre, sempre./Remove pedras e planta roseiras
e faz doces. Recomeça.”
Paciência. O jeito é tocar a vida com a chama da
esperança e a inesgotável energia militante, ao invés de me deter na
contemplação das rugas, marcas do tempo vivido.
Ciência, arte, humor,
fotografia, política, economia e cultura no blog desse amigo de vocês http://migre.me/dUHJr
Nenhum comentário:
Postar um comentário