28 outubro 2013

Contraponto necessário e oportuno

Respondendo críticas ao leilão de Libra
Por Haroldo Lima*, especial para o Vermelho

Observando sugestões de dirigentes políticos, alguns do PCdoB, de líderes sindicalistas e de amigos, procurei recolher algumas formulações centrais que localizei em artigos críticos ao leilão de Libra e comentá-las uma a uma. Usei onze pensamentos com as mesmas palavras constantes de artigos e documentos sindicais a que tive acesso, que retratam as críticas mais usuais até agora feitas e da forma que têm sido apresentadas.

1) Entregar Libra não foi a melhor saída.

“Entregar Libra” seria uma formulação correta se Libra tivesse sido entregue, vendida, alienada, doada, privatizada, em outras palavras, se a propriedade de Libra passasse das mãos da União brasileira para as de um grupo privado qualquer. Como isto não aconteceu, a formulação é falsa, demonstra um apelo retórico que, inconscientemente e às vezes conscientemente, embeleza as privatizações de Collor e FHC, tratando o que foi feito em Libra como se fosse a mesma coisa do que foi feito com a Vale do Rio Doce, Usiminas, Embraer, Volta Redonda, Banespa, Telebrás, Light, Escelsa, Embraer, Caraíba Metais, Cosipa, Ultrafértil, Acesita, Goiasfértil, Siderúrgica Tubarão, Cia Nacional de Álcalis, Copersul e muitas mais. Em cada uma dessas empresas, o Estado perdeu, de forma completa e definitiva (salvo processo excepcional ou revolucionário), a titularidade que detinha do seu capital social, vale dizer, o Estado, que era o proprietário da empresa, deixou de sê-lo, e um grupo econômico assumiu essa propriedade. Essa é a essência da privatização capitaneada por Collor e FHC. Só muita ignorância, má-fé ou motivação política pode achar que o que aconteceu com Libra é a mesma coisa que o sucedido com as empresas citadas. Em Libra, todo o campo, com todo o petróleo lá existente, continua do Estado; todo o petróleo retirado é imediatamente recolhido pelo Estado, que o reparte entre os agentes de acordo com as cláusulas do contrato de partilha, que, como veremos abaixo, dá ampla vantagem à União. Hoje, o senador Aécio Neves declarou à imprensa que as privatizações de FHC e o que foi feito em Libra, “é tudo a mesma coisa e Dilma devia se orgulhar disso”. Em Aécio Neves compreendemos perfeitamente as razões que tem para defender a tese da “privatização” de Libra. A posição é falsa, é de direita, mas Aécio tem razões políticas para defendê-la.

2) Seria melhor entregar Libra à Petrobras, sem leilão prévio, para ela assinar um contrato de partilha com a União, em melhores bases para a sociedade.

As “melhores bases” para a sociedade, vale dizer para o Brasil, implicava em aceitar que a União ficasse com uma parcela grande do “excedente em óleo”, que é o que resta depois de pago o custeio e os royalties. A ANP fixou em 41,65% o mínimo aceitável para uma proposta ser apreciada no leilão. A proposta vitoriosa, articulada e definida pela Petrobras, sabia que não teria concorrente e, se quisesse, poderia aumentar a parte da União. Na hora da apresentação da oferta, muitos acharam que o consórcio vencedor, com a Petrobras à frente, elevaria para 45% a parcela do excedente em óleo para a União. O consórcio vencedor, articulado pela Petrobras, preferiu oferecer à União o mínimo estipulado, 41,65%. Não estou aqui criticando a Petrobras, estou aqui mostrando aos incautos que o interesse nacional nem sempre coincide com o interesse de uma empresa.

3) Se a Petrobras tivesse, no seu portfólio, um campo com mais de 10 bilhões de barris, não teria a mínima dificuldade para obter financiamentos.

O pré-sal foi descoberto quando, em 2007, a Petrobras anunciou ter chegado a grandes acumulações petrolíferas, de 5 a 8 bilhões de barris, no prospecto de Tupi. Na continuidade, isto virou o campo de Lula, com 8,3 bilhões de barris, contratados com a Petrobras, sob forma de concessão. A Petrobras tinha outras concessões na província do pré-sal onde localizou Iara (3 a 4 bilhões de barris), Guará, Ogum, Carioca, Júpiter, Caramba, Bem-te-vi e outras. Em 2009 a ANP localizou em áreas da União, fora das concessões da Petrobras, dois pontos e autorizou a Petrobras a perfurá-los. Foram os poços 2-ANP-1-RJS e 2-ANP-2-RJS. Em maio de 2010 o primeiro poço descobriu Franco, o segundo, em outubro, Libra. Inicialmente pensava-se que cada um tinha de 5 a 8 bilhões de barris de petróleo, depois viu-se que as acumulações eram maiores. O governo deliberou, com relação a Franco, cedê-lo integralmente à Petrobras, sem licitação, sem bônus de assinatura, sem cobrança de Participações Especiais e com uma alíquota de royalties de apenas 10%. Era para capitalizar a estatal com 5 bilhões de barris de petróleo e prepará-la para enfrentar os desafios do pré-sal. A Petrobras fez com isso a maior capitalização da história do capitalismo no mundo, arregimentando US$ 70 bilhões. Com relação a Libra o governo deliberou levá-lo a leilão, sob forma de partilha, com alto bônus de assinatura, royalties de 15%, participação mínima de 41,65% da União no excedente em óleo, operação da Petrobras, que teria garantida presença de 30% no consórcio ganhador, e supervisão geral de uma empresa 100% estatal criada para isso, a PPSA. Quando se diz que as coisas seriam diferentes se a Petrobras tivesse em seu portfólio campo com 10 bilhões de barris, verifica-se que, só no pré-sal, sem contar Libra, a Petrobras antes do leilão de Libra já tinha no seu portfólio mais de 15 bilhões de barris de petróleo.

4) O governo trocou, com um superbônus, o benefício de satisfazer o superávit primário, de curtíssimo prazo, por perdas que irão durar 35 anos.

Imagine só um governo com tradição de esquerda, com apoio da esquerda, inclusive da esquerda comunista, com o respaldo do mais popular líder do Brasil, e talvez das Américas, a trocar um “benefício de satisfazer o superávit primário, de curtíssimo prazo, por perdas que irão durar 35 anos”. Não há porque fazer esforço para se imaginar como foi possível essa contradição. Ela não existe. É fantasia retórica, como foi a fantasia da “doação”, a “preços de banana” às multinacionais dos “blocos azuis”, na VI Rodada da ANP, em 2004. Naquela oportunidade, as multinacionais não apareceram para receber a “doação”, exceto uma que participou do leilão apenas em três blocos, associada à Petrobras. Esta, a grande estatal brasileira, arrematou, só ou com outros sócios, 94% dos blocos em mar, onde estavam todos os “blocos azuis”. As “perdas que irão durar 35 anos” serão o acumulado pela União na fase produtiva do contrato de partilha, quando ela receberá, de todo o óleo extraído em Libra, o equivalente a 80% ou a 85%. No meio desse prejuízo “enorme”, estarão R$ 270 bilhões em royalties, 75% dos quais já comprometidos em lei com a educação dos brasileiros e 25 % com a saúde; R$ 736 bilhões do excedente em óleo contratado na partilha; R$ 15 bilhões, pagos como bônus de assinatura, tudo isso totalizando mais de R$ 1 trilhão! O futuro contará a história dos que, na hora crucial dessas decisões estratégicas que podem mudar para muito melhor a vida de todos os brasileiros e fazer do Brasil uma nação desenvolvida e próspera, ficaram contra.

5) Se a Petrobras recebesse sozinha Libra, poderíamos ficar com 100% do lucro.

A acumulação de Franco, da bitola de Libra, ficou 100% para a Petrobras, com o entusiástico apoio nosso, na época na diretoria-geral da ANP. Foi importantíssimo para a capitalização da estatal. Mas, não há hipótese de “100% do lucro” ficar com a Petrobras, nem muito menos o Brasil. Garantido mesmo, o Brasil fica com royalties de 10% (só em Libra é que aumentamos para 15%), não receberá PE, não receberá bônus, receberá imposto de renda, contribuição sobre lucro líquido e só. Ademais, do lucro da Petrobras, 48% serão do Estado brasileiro, incluindo parte do BNDESPAR, e 52% de capital privado. Isto porque o capital social da Petrobras é repartido dessa forma, 48% do Estado brasileiro, 52% de capital privado, a maior parte estrangeiro.

6) O leilão consistiu em um “meio fracasso” ou um “meio sucesso”.

As conclusões que não se fundamentam em dados objetivos, por desconhecê-los, deformá-los ou menosprezá-los, podem ser refutadas com facilidade. Seus autores nem sempre mudam de opinião, pois desconsideram os fatos, cuja evolução têm dificuldade em acompanhar, preferindo apegar-se a esquemas políticos anacrônicos. Mas as opiniões, aí cada qual pode ter a sua. Daí os que acham o leilão “meio fracasso” e os que o acham “meio sucesso”. Até agora, todos os contratos firmados no Brasil, mais de 90% com a Petrobras, dão ao Poder público brasileiro cerca de 52% do equivalente em óleo extraído. Nos campos gigantes, Marlim, Roncador, Albacora, isto chega perto de 60%. Libra poderá nos dar de 80% a 85%. Seguramente os brasileiros comuns acham isto um grande sucesso. Estou com eles.

7) Os amigos de esquerda dirão que foi um fracasso total.

É sempre bom caracterizar com cuidado esses “amigos de esquerda”. No passado de 1920, Lênin, o homem que encabeçou talvez o acontecimento mais importante do século 20, a Revolução Soviética, dirigiu-se a diversos desses “amigos de esquerda” da Alemanha, da França e da Inglaterra, que se diziam seus seguidores, para dizer-lhes que, do jeito que eles procediam, aferrados a dogmas e sectarismos, ele, Lênin, dizia que aqueles amigos não eram seus verdadeiros seguidores, pois seguiam uma forma de raciocinar que não era a dele, da esquerda consequente, mas de uma outra corrente, a que Lênin chamou de “esquerdismo, doença infantil do comunismo”. A meu juízo, os “meus amigos de esquerda” mais consequentes, mais informados e mais radicais (no sentido daqueles que vão à raiz dos problemas) estão enxergando o sucesso do leilão de Libra, outros estão ainda examinando a questão, havendo os que estão, sinceramente contra. Mas há os que estão acometidos, não de hoje, da “doença infantil do comunismo.”

8) Não concluam que eu sou adepto da dupla Marina e Campos.

Quando uma pessoa sente necessidade de dizer que não é de uma determinada corrente, é porque está muito próxima a ela. Na história da esquerda mundial, em particular do movimento comunista, inclusive no Brasil, é muito frequente posições “esquerdistas” (no sentido da doença infantil) parecerem e se somarem a posições de direita. Quando há seriedade de propósitos o tempo e a reflexão ajudam a romper com esse equívoco.

9) A Petrobras, se ficasse com todo o campo de Libra, poderia entregar 80% ou mais do excedente em óleo para o Fundo Social, enquanto o consórcio ganhador se comprometeu só com 41,65%.

Já fiz ver que quem comandou “o consórcio ganhador” foi a Petrobras, que sabia que não ia ter concorrente e que, se quisesse aumentar qualquer coisa para a União, poderia ter feito. Nem arredondou o índice mínimo de 41,65%. Não critico a Petrobras por isso. Critico os incautos que imaginam que o interesse nacional sempre coincide com o de sua maior empresa, o que não é verdade, mesmo que a Petrobras fosse 100% estatal, ainda mais que não é.

10) CUT, 21/10/13 “A Petrobrás deveria explorar 100% do nosso petróleo. Essa é a posição da CUT e da FUP (Federação Única dos Petroleiros). Mas, mesmo não sendo o que a gente defendia, o resultado foi o menos pior, pois garante o controle nacional tanto da extração quanto da exploração e 40% do lucro".

Esta posição, embora assinada, foi exposta como editorial do sítio da CUT. Por ela, a diretoria, que se reuniu duas vezes com a ANP, tende a compreender a linha geral do processo, a começar por aceitar que existiu “o controle nacional tanto da extração quanto da exploração” no campo de Libra.

11) CUT, 21/10/13 “A posse cabe à União, que recebe da empresa vencedora parte da produção, já sem custos. No caso de Libra, no máximo 41,65% do lucro em óleo ficam no país.”

A formulação está imprecisa, a leitura dos comentários acima mostra o que significam esses “41,65% do excedente em óleo”. Mas a formulação vai na linha de uma visão mais ajustada do processo.

* Haroldo Lima é ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e membro do Comitê Central do PCdoB

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