Partido leninista: concessão ou ousadia?
Luciano Siqueira *
Embora em alguns
textos publicados seus autores procurem acentuar o que consideram
"princípios" pétreos de inspiração leninista, supostamente ameaçados
na evolução do Partido no último decênio; e assim, nos argumentos apresentados,
façam alusões a atributos tais como unidade, coesão, disciplina, consciência
teórica e ideológica, etc. (que necessitariam ser defendidos e preservados), na
essência é a linha política que se põe em causa. Melhor dizendo, pela via
supostamente estrita à linha de construção partidária, questiona-se a essência
da opção estratégica e tática que o PCdoB adotou desde a 9° Conferência
Nacional.
Naquela reunião - um
dos marcos do desenvolvimento teórico e político recente do PCdoB - deu-se uma
decisão de extraordinária envergadura. Até então, o pensamento tático do Partido
em relação à participação em governos - no governo central do país,
especialmente - mantinha-se essencialmente preso à formulação de George Dmitrov
em seu célebre informe ao 7° Congresso da Internacional Comunista, em agosto de
1935. Segundo Dmitrov - corretamente, naquela conjuntura -, os comunistas só
deveriam integrar governos sob Estados burgueses, em regime de coalizão e na
condição de aliados não-hegemônicos, em situação caracterizadamente
revolucionária. Ou seja, na expressão de Lênin, "quando os de baixo não
mais suportam ser governados como antes, nem os que governam conseguem
prosseguir governando como o fazem". O Partido Comunista, então, entraria
no governo de coalizão no intuito do apressar a derrocada do Estado
burguês.
Ora, o Brasil dos
nossos dias está muito longe de se configurar como "situação
revolucionária". Antes, se insere na conjuntura mundial de "defensiva
estratégica", decorrente da derrocada da ex-URSS e dos estados
democráticos do Leste da Europa, em que a correlação de forças passou favorecer
francamente o imperialismo e seus aliados. A iniciativa ainda é da reação, a
despeito do crescimento gradativo da resistência dos povos.
O PCdoB entende que
estamos diante de uma conjuntura mundial e brasileira que nos impõe prolongado
processo de acumulação de forças tendo em vista reunir condições para, adiante,
realizar a contra-ofensiva revolucionária.
Nesse cenário, cabe
ao partido comunista revolucionário fiel as postulados fundantes leninistas
encarar a luta de classes em todas as suas dimensões e formas - entre as quais,
no ambiente de governos onde estão presentes forças políticas
progressistas. Caso atual do Brasil e vários países da América Latina.
Daí a assertiva
constante da resolução política da 9a. Conferência Nacional acerca das três linhas
fundamentais de acúmulo da construção partidária – isto é, três instâncias
concretas da luta de classes: a luta social de massas, a luta de ideias e a
luta institucional. Assertiva referendada nos Congressos partidários que se
sucederam e, certamente, consolidada neste 13 Congresso.
De fato, como
assinala a Tese 1, com justeza, “o Partido passou, nos
últimos doze anos, por forte processo inovador de caminhos e modos para
constituir-se como um partido comunista de classe, popular e de massas, de
quadros e militantes regidos pelo centralismo democrático.” Enfrentou o desafio
de “firmar a concepção de permanência de princípios e identidade comunista,
renovação de concepções e práticas com base em um caminho próprio para o
socialismo, e abertura para ampliar as fileiras partidárias e falar a toda a
sociedade. Enfim, um partido de caráter leninista contemporâneo”.
Nessa linha, a construção partidária
foi concebida e implementada “em funcionalidade com a política, derivada dela,
e também com uma linha de estruturação ideológica, organizativa e material bem
definida”.
Os
resultados são inquestionavelmente expressivos, tanto na ampliação da
influência e da autoridade política do Partido, como no domínio das peculiaridades
da formação econômica, social, política, cultural e histórica da sociedade
brasileira, na expansão de suas fileiras militantes, da sua presença em
múltiplas frentes de luta e dos seus vínculos políticos e orgânicos com os
trabalhadores e as massas populares.
Isto sem descuidar das vicissitudes inerentes às
singularidades atuais da luta política e da inserção do Partido nela, que se
refletem, em certa medida, “na forma de liberalismo que afrouxa compromissos, pragmatismo
que leva a perder de vista os objetivos permanentes em prol do imediato; no
corporativismo, que limita os horizontes de formulação de um pensamento
político” e também, em igual medida, “no dogmatismo, que leva a uma postura
defensiva frente às mudanças.”
Postas
essas considerações, a opção estratégica e tática do PCdoB, assim como sua
linha de construção partidária, na atualidade, longe de significar concessão, é
verdadeiramente, ato de ousadia. O PCdoB não se intimida e trava a luta de
classes nas diversas esferas em que se apresenta, sem recusar nenhuma delas a
título de se preservar (sic) contra influências ideológicas perniciosas; antes arrostando-as
com destemor, descortino e autoconfiança. Trava a luta no nível em que ela se
coloca, explorando toda a radicalidade que ela encerra. Afirma, assim, na contemporaneidade,
o seu caráter leninista.
*Militante do PCdoB em
Pernambuco, membro do Comitê Central
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