17 novembro 2013

Uma crônica minha para descontrair

Eva Trust
Saudade do glamour imaginário da infância
Luciano Siqueira


Não devia ter mais do que cento e cinquenta metros a distância entre a mercearia do meu pai, Renato, e a padaria Moderna, do seu Antenor, na Lagoa Seca, em Natal. Mas eu achava uma distância imensa! Questão de perspectiva, no olhar do menino de 9 anos apenas, numa época em que nessa idade se sabia muito menos do que meu neto Miguel, de 8 anos, sabe hoje. Ir comprar o pão para mim era uma aventura, me sentia Flash Gordon explorando o Universo. 

É que a dimensão das coisas se ampliava nas ondas da imaginação. Por isso o barra-a-barra com bola de meia, um contra um ou em duplas, equivalia ao clássico ABC X América em final do campeonato. Na boquinha da noite, de banho tomado, ali na esquina, sentados na calçada, a resenha dos lances espetaculares fazíamos com binóculos poderosos. 

E as aventuras a bordo dos caminhões de madeira e latas de óleo Salada, pelas estradas do Brasil? Sensacionais, plenas de riscos e manobras à margem de despenhadeiros construídos na areia, próximo ao coreto situado no cruzamento das ruas São João e Alberto Silva. 

Aliás, sob o coreto, me impressionava ouvir histórias contadas por colegas mais crescidos e experientes em incursões por outros lugares da cidade. Pouco importava a dúvida quanto à veracidade do que se dizia, valia a fantasia inspirada nas aventuras de Zezé Vida Torta, Luís Cambadinho, Carrunda e outros. Eles falavam de brigas terríveis na saída do cinema, copiadas de Roy Rogers, Hopalang Cassidy, Buck Jones. Ou ao término dos jogos no Estádio Juvenal Lamartine, no Tirol, quando levavam às últimas consequências os xingamentos entre torcedores rivais. Eu sentia inveja daquela turma que se locomovia livremente, sem os limites dos meninos "de família". Mas não me recordo de ferimentos ou hematomas no corpo dos nossos heróis. 

E o temporal ameaçador, que enfrentei protegido no banco traseiro de um Renaux Perfect, ao lado da vovó Neném. Era o veículo particular do tio José Ivo, médico conceituado, caridoso e amado pelo povo. O chofer foi nos buscar lá em casa e nos conduziu até a Avenida Rio Branco, onde residia e clinicava o tio Zezé. Na volta, frustrei-me porque parara de chover e a minha aventura aquática já não fazia sentido.

O tempo passa, a maturidade chega e a gente se obriga a enxergar as coisas como são, sem o glamour imaginário da infância. Agora importa a verdade dos fatos, a realidade cara a cara. Porque não se deve tomar decisões sem os pés no chão, de olho nas consequências. São outras às aventuras, ousadas algumas, mas todas contidas pelo paquímetro do bom senso. É a vida.

Um comentário:

Unknown disse...

Eu não me descontraí, eu me deliciei; não troco o glamour imaginário por nada desse mundo
tampouco pela minha realidade nua e crua; - Aplausos e Abraços!!