30 janeiro 2014

Uma crônica para descontrair

Assassino, detetive e vítimas
Luciano Siqueira, no Vermelho

Brincadeira ingênua, que embora antiga só agora conheci (indesculpável ignorância). Sorteia-se entre os participantes os papéis de assassino, detetive e vítimas. Ao assassino cabe "matar" as vítimas com um discreto piscar de olhos, tão discreto quanto o necessário para driblar a vigilância do detetive. A este, na posição de policial implacável, cumpre descobrir quem do grupo é o assassino e, naturalmente, prendê-lo. 

Minha estréia se deu num grupo pequeno: Miguel, 8 anos, meu neto (quem mais se diverte a cada lance), Pedro, 14 anos, o neto mais velho, Neguinha, mãe de Miguel, Luci e eu. Se o grupo fosse maior, mais interessante e divertido seria. Assim mesmo demos boas risadas, sobretudo com as trapaças de Miguel sempre esperto na hora do sorteio, dando um jeito de ser ele o detetive.

Pude observar, entretanto, com indisfarçável satisfação, que na família ninguém tem vocação para a terrível arte de matar, tampouco para o mister de perseguir criminosos; muito menos para se deixar abater na triste condição de vítima.

Pelo visto, o mandamento divino, proferido por Moisés, "não matarás" aqui está muito bem acolhido, embora nunca citado por absoluta falta de intimidade com as Sagradas Escrituras. Descendentes de famílias muito católicas, mas não exatamente seguidores.

Além disso, na brincadeira, o assassinato se dá através de um piscar de olhos. Flagrante contradição: o gesto tem tudo a ver com a cumplicidade ou o flerte ou a ironia, jamais com o aniquilamento físico de alguém.  

Quanto à função de detetive, nada contra. Policiais são necessários. Policias devem existir, tais como as Forças Armadas, integram o aparelho de Estado e, ao lado de sua essência repressora em favor da classe dominante, têm também serventias honrosas - a defesa da segurança do cidadão e a preservação da integridade do território nacional diante de eventual ameaça externa. Mas o fato é que em família de ex-preso político ninguém se sente atraído pelas profissões militares ou policiais. 

Vítimas todos nós somos, de uma forma ou de outra. De injustiças sociais, de mal-entendidos, de preconceitos, de equívocos, de viroses, do trânsito infernal, da burocracia estatal, do custo de vida e não sei mais o quê da vida moderna. Mas a brincadeira "assassino, detetive e vítimas" pressupõe que estas últimas mantenham-se passivas, a espera do fatal piscar de olhos. Isso nunca! A passividade jamais será atitude de nenhum de nós, curtidos pelo de esforço da conquista cotidiana do que necessitamos e desejamos. Inclusive Alice, de menos de cinco meses de vida, posta no berço ali no quarto, que solta a voz estridente tão logo lhe vem a fome - para que Neguinha lhe ofereça o seio materno e lhe sacie. 

Mas a brincadeira é muito divertida, isto é. Gostei e quero mais.

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