Por que a lei de terceirização é boa apenas para quem é patrão
No
Diário do Centro do Mundo
A lei da
terceirização é boa? A resposta para essa pergunta depende muito da
posição no mercado que você ocupa. Ela terá consequências diversas para patrões
e trabalhadores, e atingirá de forma diferente o setor público e o privado. De
acordo com o texto aprovado na Câmara na noite desta quarta, empresas
particulares podem terceirizar todas as atividades, tanto as atividades-meio
(que são aquelas que não são inerentes ao objetivo principal da companhia),
quanto as atividades-fim, que dizem respeito à sua linha de atuação.
A advogada trabalhista e professora da
PUC-SP Fabíola Marques afirma que a nova lei da terceirização só é
boa para o patrão, “que vai terceirizar sempre que isso lhe trouxer uma redução
de custos”. De acordo com ela, a medida trará economia na folha de pagamento e
nos encargos trabalhistas das empresas. Mas uma consequência direta dessa
economia é “a redução do valor pago ao empregado terceirizado, que terá sua
situação precarizada”. Ou seja, se o empresário gasta menos ao terceirizar, o
valor pago à companhia contratada – que conta com sua própria hierarquia e
também busca o lucro – será menor, e o salário que essa empresa paga a seus
funcionários será mais baixo do que o recebido antes.
Segundo Marques, outra faceta negativa da
terceirização para os trabalhadores é o enfraquecimento dos sindicatos, o que
também afetaria negativamente os salários. O projeto de lei não garante a
filiação dos terceirizados no sindicato da atividade da empresa, o que pode ser
prejudicial. “Se antes o faxineiro de um banco fazia parte do sindicato dos
bancários, que é forte, após a terceirização ele integrará a entidade de classe
da empresa terceirizada”, afirma Marques.
Os terceirizados podem passar a ser representados
por diferentes categorias, e perdem benefícios conquistados pelo setor, como
piso salarial maior e plano de saúde, além de ver seu poder de barganha
reduzido. Por sua vez, os sindicatos fortes também são prejudicados pela
terceirização, uma vez que irão ver o seu número de filiados minguar.
O mercado alega que com o modelo atual, as empresas
acabam arcando com muitos encargos – incluindo eventuais processos trabalhistas
-, o que gera um receio de contratar e prejudica a criação de postos de
trabalho. Com a alteração na lei aprovada, existe um discurso do setor de que,
com parte das responsabilidades compartilhadas com uma terceirizada – caberá a
ela arcar com encargos trabalhistas -, haveria um aumento no número de vagas no
mercado e um incremento no emprego. Esse ponto é questionado por centrais
sindicais e especialistas, já que nada garante que haverá um aumento de
contratações.
“Não existe relação direta entre a lei da terceirização
e a abertura de novas vagas de trabalho”, afirma André
Cremonesi, juiz titular da 5a vara do Trabalho de São Paulo. De
acordo com ele, “no dia seguinte à sanção da lei as empresas começarão a
terceirizar sua força de trabalho”. Ele acredita que em um processo gradual,
“não da noite para o dia”, haverão menos trabalhadores contratados diretamente
e mais terceirizados, sendo que o percentual de pessoas que podem se ver “nessa
situação precária” chega, em teoria, “a quase 100% do total de 100 milhões de pessoas
economicamente ativas [incluindo trabalhadores informais, microempresários e
etc]”. Segundo ele, atualmente 12 milhões de pessoas são terceirizadas.
Ele acredita que, caso a lei seja sancionada,
haverá “uma avalanche de ações trabalhistas, com muita gente questionando a
constitucionalidade da terceirização”. O magistrado afirma que como muitas
vezes a terceirizada não tem patrimônio, o pagamento das indenizações ficará a
cargo da empresa contratante. “Essa lei é um retrocesso”. Cremonesi afirma
que este processo irá reduzir o poder de compra do trabalhador, e pode provocar
uma queda no consumo no médio prazo.
A polêmica em torno do assunto ainda continua. O
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), classificou a
terceirização da atividade fim como uma “pedalada” no direito do trabalhador,
abrindo uma frente de conflito com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), defensor da lei, que poderia atrasar o envio do projeto ao
Senado.
Gaudio Ribeiro, assessor de ministro no Tribunal
Superior do Trabalho (TST) e coordenador dos cursos jurídicos do Instituto
Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) de Brasília, defende a nova lei, mas
reconhece que as empresas terceirizadas “têm uma saúde financeira precária,
trabalham no limite, e muitas vezes se veem obrigadas a suprimir direitos”. Ele
afirma que frequentemente elas não concedem equipamentos de proteção e nem
férias, “e consequentemente o número de acidentes de trabalho costuma ser mais
elevado”.
Ribeiro acredita que o contrato ideal é “a
contratação direta com prazo indeterminado”, mas que isso é inacessível “para
uma grande parte da população economicamente ativa”. Logo, ele afirma que a
terceirização pode abrir portas para que jovens entrem no mercado de trabalho,
ainda que em condições mais precárias.
Outro ponto polêmico do projeto é que a Câmara
reduziu de 24 para 12 meses o prazo que a empresa precisa esperar para poder
recontratar algum funcionário que era contratado com base
na CLT demitido para tornar-se terceirizado. Especialistas afirmam
que esse ponto favorece ainda mais a precarização do trabalho, já que incentiva
a terceirização de funcionários registrados.
E, caso seja sancionada como está pelo Senado e
pela presidenta Dilma Rousseff, a medida pode valer para os contratos
atuais. Ou seja, vale para novas contratações e para funcionários que já estão
há anos em uma determinada empresa.
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