28 maio 2015

Resgate histórico

Paulo Cavalcanti e Dom Helder*

Nagib Jorge Neto

Noite de ontem, dia 25 de maio, A Assembléia Legislativa de Pernambuco festejou o centenário de nascimento do advogado, promotor público, escritor e militante comunista Paulo de Figueiredo Cavalcanti. A cerimônia foi proposta pelo Líder do Governo, deputado Valdemar Borges, que louvou no ato a atuação de Paulo Cavalcanti na política, nas letras, nas artes, na defesa de seus ideais socialistas e recordou as perseguições e prisões que sofreu, num discurso feliz, objetivo, fiel à sua vida e obra. Na mesma linha, o Governador do Estado, Paulo Câmara, lembrou sua condição de humanista e sua participação na Frente Popular, que elegeu prefeito Pelópidas da Silveira, depois Arraes prefeito e Governador do Estado.
No ato, sua filha Magnólia Cavalcanti, comunicou que sua mãe, a viúva Ofélia Cavalcanti, foi anistiada por ato do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ela exaltou o exemplo de vida do pai, que morreu aos 80 anos, no Recife, e adiantou ter orgulho de sua luta, sua história, sua coerência e convivência fraterna. Ao encerrar o ato, o Presidente da Casa, Deputado Guilherme Uchoa, registrou a lembrança de Paulo Cavalcanti como político e antes disso na infância, através do seu pai, que era amigo e admirador do jovem promotor público e escritor Paulo Cavalcanti.
Daí encerrou o ato que contou com a participação da viúva Ofélia Cavalcanti, do Prefeito do Recife, Geraldo Júlio, do vice-prefeito Luciano Siqueira, do escritor Frederico Pernambucano de Melo, da Academia Pernambucana de Letras, do Secretário de Estado Pedro Eurico, ex-presidente da Assembléia, do Presidente da Companhia Editora de Pernambuco, jornalista Ricardo Leitão, de Leda Alves, Presidente da Fundação de Cultura do Recife, de Luciano Siqueira, vice-Prefeito do Recife, do ex-vereador Dílson Peixoto, de Jurandir Bezerra, filho de Gregório Bezerra, de integrantes do Ministério Público e de militantes do antigo PCB.
A cerimônia nos fez lembrar a convivência de Paulo Cavalcanti, militante comunista e materialista, com Dom Hélder Câmara, religioso, figura exemplar de sacerdote, que motivou um texto nosso posto na internet e que transcrevo neste espaço alternativo, pois dá a dimensão humana do homenageado pelo Legislativo.
DOM E SANTO
A cerimônia era síntese de reverência e gratidão a Dom Hélder, Arcebispo de Olinda e Recife, então louvado como Dom da Paz, do amor, da tolerância e da resistência. No ato – noite do dia 6 de dezembro de 1989 - Dom Hélder tornou-se sócio da União Brasileira de Escritores, Seção de Pernambuco, honrando a entidade por sua ação como escritor, apóstolo, evangelizador, méritos evocados por Paulo Cavalcanti – materialista e escritor – que destacou a condição de santo do sacerdote.
Na oração, que denominou “um incréu saúda um santo” Paulo Cavalcanti foi pioneiro na sagração que a Igreja Católica agora quer tornar concreta, com um processo na Santa Sé, pedindo sua beatificação e canonização. O Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, recebeu autorização do Vaticano e a Arquidiocese cuida de reunir dados, testemunhos, ou graça alcançada, exigências do processo.
Nesse aspecto, na UBE, Paulo Cavalcanti lembrou as razões da amizade entre ambos desde 1930 quando viram as contradições do integralismo, experiência da qual restou o compromisso com as lutas de libertação, os ideais de liberdade e fraternidade. Assim, apesar das divergências, os ideais permaneciam idênticos na opção pelos pobres, próximos nas idéias e propostas para transformar o país.
Então exaltou com entusiasmo (em grego, “ter os deuses dentro de si”) a evangelização, as ações no caminho da bondade, da tolerância, do perdão, do respeito aos direitos humanos, do combate à violência e a teoria e prática da não violência. Na ocasião fez referência às “premissas materiais e espirituais da passagem de uma sociedade argentaria e imediatista para uma sociedade comunitária e fraterna. Para Dom Hélder, isto é desejo de Deus e de seus ensinamentos. Para nós, marxistas, é tarefa dos homens.”           
Na condição de ateu, marxista convicto, sentenciou “Nessa contradição, tanto vale investir na prática política e arregimentar as massas para assegurar os seus direitos essenciais, como vale carregar nos ombros a cruz e os símbolos religiosos, desde que o façamos com a confiança dos obstinados na crença de uma esperança que só poderá ser conquistada pela força da consciência livre. Ou pela fé.”
Diante do humano, divino, louvou os gestos e atos de Dom Hélder, a força de sua fé, crença, no embate em defesa dos humildes, perseguidos, vítimas da repressão do regime ou da injustiça social. Daí abordou os motivos da discórdia entre católicos e marxistas, lembrando que Marx pretendeu sublinhar que a religião constitui o sonho da espécie humana sofredora, o abrigo por ela construído contra as rudezas - e durezas - da existência. O Homem cria, com o sentimento religioso, o seu porto seguro, o sonho, a busca, o ideal de Deus, que tem de representar um compromisso com a verdade, jamais a busca de um consolo. Porque, do contrário, a religião não passaria, aí sim, de simples paliativo, no narcotráfico das consciências em desalinho.”
Ao evocar a religião, a cruz, Paulo deixou claro o testemunho de fé nas crenças, nas liberdades e direitos humanos, pois era “um homem confessadamente materialista, mas também submisso ao dever de respeitar as crenças alheias”. E tal como Dom Hélder, tinha um desígnio comum: “cristãos e não cristãos são soldados das mesmas lutas, caminheiros das mesmas jornadas, marinheiros das mesmas travessias”. De resto, artistas e intelectuais, participantes do ato, louvaram aquele ato de sagração que Dom Hélder recebeu com emoção e humildade. 
*Título nosso
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