Ponte de ilusões?
Walter Sorrentino, no Vermelho
O PMDB
lançou "Ponte para o Futuro", programa/agenda que apresenta aos
brasileiros, sua saída para a crise.
O documento foi saudado pela
mídia e formadores de opinião como o programa que o PSDB não teve coragem de
apresentar, o que, se não diz quase tudo sobre o caráter da proposta, evidencia
as disputas que estão em curso sobre os rumos do país.
Com efeito, a bancada do PSDB na
Câmara e Senado, errou estrategicamente no modo como se situou diante da crise
política e econômica, apostando no apocalipse contra o país, deixando espaço
aberto à costumeira presteza do PMDB em ocupá-lo. Alguns tucanos já passaram o
recibo da iniciativa do PMDB.
O Brasil tem uma travessia para
enfrentar a crise, com os ajustes impostos pelas circunstâncias mundiais e a
questão fiscal. Mas estão em disputa política os caminhos para a retomada do
crescimento e, nesse terreno, as teses liberais estão na ofensiva: menos
intervencionismo, menos Estado, o Estado que temos não cabe no orçamento.
Na confluência disso, o
diagnóstico feito pelo PMDB e as medidas apresentadas estão centradas na
questão fiscal, como meio e como fim. Com inaudita severidade e liberalismo, a
proposta envolve alterar, em múltiplos terrenos, o modo como o Brasil
perseguirá o desenvolvimento e seu lugar no mundo: fim das vinculações
previstas na Constituição, como os gastos mínimos obrigatórios com saúde e
educação; orçamento impositivo; fim da indexação de salários e benefícios da
Previdência; fim do regime de partilha na exploração do Pré-Sal e busca dos
acordos comerciais com os Estados Unidos, a Europa e países asiáticos, com ou
sem os parceiros do Brasil no Mercosul. Enfim, um cavalo-de-pau no transatlântico.
Além da austeridade que isso
implica para os trabalhadores e os direitos sociais – os mesmos que a
Constituição cidadã, proclamada por Ulysses Guimarães, consagrou como direitos
do cidadão e deveres do Estado - a proposta implica um choque institucional de
proporções, alterações de vulto na Constituição no plano tributário, fiscal,
federativo, social. Parece que seria necessário uma nova Constituição ou um
novo país para caber na atual Constituição.
Não se sabe exatamente como o
PMDB imagina repactuar esta plataforma com a sociedade, além da oportunidade
que entreviu na cena da crise política. Forças sociais certamente se porão em
choque aberto com a proposta. Forças políticas e empresariais ele as precisará
disputar com a oposição formal, o PSDB e seus aliados. Sem ponderar, ainda, que
esse partido é uma federação de facções em permanente unidade e luta entre si,
e dar a cara da austeridade para concorrer às eleições de 2016 ou 2018 não é
uma perspectiva agradável para unificar suas fileiras.
Eu me pergunto sobre as
possíveis ilusões do PMDB em ser o representante orgânico do main stream
financeiro e produtivo do país. Sua tragédia como partido de caráter
democrático, é nunca ter se viabilizado à Presidência da República por eleições
diretas, não obstante ser o mais capilarizado do país, com a maior número de
vereadores e prefeitos, uma das maiores bancadas de governadores, senadores e
deputados. As portas foram fechadas para ele jogar um papel dominante na
política brasileira. Restou-lhe o caráter (nada desimportante) de ser um
partido centrista, fiel da balança, mas – o que é praticamente uma
singularidade brasileira – com grande musculatura.
Isso ocorreu porque o partido
foi alvo de poderosa desconstrução, marcado com ferro como expressão de todo o
“atraso” que existiria na política brasileira, com a crítica mortífera à
política populista, clientelista e patrimonialista, portador de um nacionalismo
anacrônico. Isso especialmente em São Paulo, terra do vice-presidente Michel
Temer, ecoando ainda os mesmos traços plutocratas da luta contra Getúlio
Vargas, e uma academia poderosa que foi a usina daquela crítica – da qual
nasceram os tucanos (diretamente das costelas do PMDB) e o PT.
Decididamente, o PMDB tem no seu
DNA notável sagacidade para ocupar espaço. E vocação para um partido de centro,
uma necessidade objetiva no país. Mas não deveria ter ilusões: o transformismo
a esta altura não lhe abriria as portas da confiança das forças econômicas e
ideológicas dominantes, para as quais representa, ainda hoje, o atraso
político. Ao lado da disputa de rumos para a retomada do crescimento econômico
e do projeto de nação, está em disputa também a orientação geral desse grande
partido brasileiro.
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