16 novembro 2015

A proposta do PMDB

Ponte de ilusões?

Walter Sorrentino, no Vermelho

O PMDB lançou "Ponte para o Futuro", programa/agenda que apresenta aos brasileiros, sua saída para a crise.
O documento foi saudado pela mídia e formadores de opinião como o programa que o PSDB não teve coragem de apresentar, o que, se não diz quase tudo sobre o caráter da proposta, evidencia as disputas que estão em curso sobre os rumos do país.
Com efeito, a bancada do PSDB na Câmara e Senado, errou estrategicamente no modo como se situou diante da crise política e econômica, apostando no apocalipse contra o país, deixando espaço aberto à costumeira presteza do PMDB em ocupá-lo. Alguns tucanos já passaram o recibo da iniciativa do PMDB.
O Brasil tem uma travessia para enfrentar a crise, com os ajustes impostos pelas circunstâncias mundiais e a questão fiscal. Mas estão em disputa política os caminhos para a retomada do crescimento e, nesse terreno, as teses liberais estão na ofensiva: menos intervencionismo, menos Estado, o Estado que temos não cabe no orçamento.
Na confluência disso, o diagnóstico feito pelo PMDB e as medidas apresentadas estão centradas na questão fiscal, como meio e como fim. Com inaudita severidade e liberalismo, a proposta envolve alterar, em múltiplos terrenos, o modo como o Brasil perseguirá o desenvolvimento e seu lugar no mundo: fim das vinculações previstas na Constituição, como os gastos mínimos obrigatórios com saúde e educação; orçamento impositivo; fim da indexação de salários e benefícios da Previdência; fim do regime de partilha na exploração do Pré-Sal e busca dos acordos comerciais com os Estados Unidos, a Europa e países asiáticos, com ou sem os parceiros do Brasil no Mercosul. Enfim, um cavalo-de-pau no transatlântico.
Além da austeridade que isso implica para os trabalhadores e os direitos sociais – os mesmos que a Constituição cidadã, proclamada por Ulysses Guimarães, consagrou como direitos do cidadão e deveres do Estado - a proposta implica um choque institucional de proporções, alterações de vulto na Constituição no plano tributário, fiscal, federativo, social. Parece que seria necessário uma nova Constituição ou um novo país para caber na atual Constituição.
Não se sabe exatamente como o PMDB imagina repactuar esta plataforma com a sociedade, além da oportunidade que entreviu na cena da crise política. Forças sociais certamente se porão em choque aberto com a proposta. Forças políticas e empresariais ele as precisará disputar com a oposição formal, o PSDB e seus aliados. Sem ponderar, ainda, que esse partido é uma federação de facções em permanente unidade e luta entre si, e dar a cara da austeridade para concorrer às eleições de 2016 ou 2018 não é uma perspectiva agradável para unificar suas fileiras.
Eu me pergunto sobre as possíveis ilusões do PMDB em ser o representante orgânico do main stream financeiro e produtivo do país. Sua tragédia como partido de caráter democrático, é nunca ter se viabilizado à Presidência da República por eleições diretas, não obstante ser o mais capilarizado do país, com a maior número de vereadores e prefeitos, uma das maiores bancadas de governadores, senadores e deputados. As portas foram fechadas para ele jogar um papel dominante na política brasileira. Restou-lhe o caráter (nada desimportante) de ser um partido centrista, fiel da balança, mas – o que é praticamente uma singularidade brasileira – com grande musculatura.
Isso ocorreu porque o partido foi alvo de poderosa desconstrução, marcado com ferro como expressão de todo o “atraso” que existiria na política brasileira, com a crítica mortífera à política populista, clientelista e patrimonialista, portador de um nacionalismo anacrônico. Isso especialmente em São Paulo, terra do vice-presidente Michel Temer, ecoando ainda os mesmos traços plutocratas da luta contra Getúlio Vargas, e uma academia poderosa que foi a usina daquela crítica – da qual nasceram os tucanos (diretamente das costelas do PMDB) e o PT.
Decididamente, o PMDB tem no seu DNA notável sagacidade para ocupar espaço. E vocação para um partido de centro, uma necessidade objetiva no país. Mas não deveria ter ilusões: o transformismo a esta altura não lhe abriria as portas da confiança das forças econômicas e ideológicas dominantes, para as quais representa, ainda hoje, o atraso político. Ao lado da disputa de rumos para a retomada do crescimento econômico e do projeto de nação, está em disputa também a orientação geral desse grande partido brasileiro.
Leia mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/kMGFD

Nenhum comentário: