Marx e Nabuco, exemplos que o Século XIX nos deu
Nilson
Vellazquez, no blog Verbalize
"O grande século XIX", como afirmara Eric
J. Hobsbawm, de fato, significa uma mudança extraordinária nos rumos da
humanidade. Nesse período histórico, várias foram as "invenções" -
técnicas, tecnológicas, humanas e científicas - que influenciam a forma como
nos relacionamos até os dias de hoje. As concepções filosóficas do período, as
revoluções que alijaram determinadas classes do poder e elevaram outras; o
nacionalismo, o liberalismo e abundância pós industrialização, para além de
elevar a "qualidade de vida" da humanidade, gerou contradições e as
tentativas de resoluções pela nascente classe proletária, dentre elas, a mais
importante, e que mobiliza homens e mulheres até hoje: o socialismo.
Nas palavras de Hobsbawm, "'a própria novidade
e a rapidez da mudança social que os envolvia, encorajava os trabalhadores a
pensar em termos de uma sociedade totalmente diversa, baseada na sua
experiência e em suas ideias em oposição às de seus opressores. Seria
'socialista', e representaria não o eterno sonho da sociedade livre, que os
pobres sempre levam no recôndito de suas mentes (...)". Nesse sentido,
emerge, de maneira protagonista, a figura de Marx, como grande homem do período
e da humanidade até os dias atuais. Ainda segundo Hobsbawm, "para Marx a
sociedade humana havia inevitavelmente dividido o comunismo primitivo em
classes, inevitavelmente se desenvolvia através de uma série de sociedades
classistas, cada uma delas contendo as 'contradições internas' que, a certa
altura, se constituem em obstáculo para o progresso futuro e geram as forças
para sua superação. O capitalismo era a última delas (...)". Ainda nesse
sentido, cumpre papel preponderante o desenvolvimento das ciências sociais,
que, segundo Hobsbawm, "fertilizou as ciências biológicas e até mesmo as
físicas".
Todos esses avanços - práticos e de concepções -
são identificados a partir de uma determinada sociedade - a europeia - cujo
desenvolvimento das forças produtivas puderam levar a essa sequência de fatos,
inclusive à superexploração dos povos mais pobres. Nesse sentido, vale lembrar a
quantas andava o Brasil nesse período, e quais eram os desafios a serem
enfrentados.
Para se ter ideia, enquanto a classe trabalhadora reivindicava melhores condições de trabalho na Europa, no Brasil, ainda conquistávamos a independência do país (1822); proibíamos o tráfico negreiro (1850); abolíamos a escravidão (1888); proclamávamos a República (1889) e, até 1930, ainda éramos, quase absolutamente, dominados pelas oligarquias latifundiárias e do capital mercantil, ocupando, nas palavras de Augusto Buonicore, "um lugar bem determinado na divisão internacional do trabalho imposta pelo colonialismo e depois pelo imperialismo: como produtor de matérias-primas e alimentos (açúcar, café, algodão, cacau, borracha etc.)".
Para se ter ideia, enquanto a classe trabalhadora reivindicava melhores condições de trabalho na Europa, no Brasil, ainda conquistávamos a independência do país (1822); proibíamos o tráfico negreiro (1850); abolíamos a escravidão (1888); proclamávamos a República (1889) e, até 1930, ainda éramos, quase absolutamente, dominados pelas oligarquias latifundiárias e do capital mercantil, ocupando, nas palavras de Augusto Buonicore, "um lugar bem determinado na divisão internacional do trabalho imposta pelo colonialismo e depois pelo imperialismo: como produtor de matérias-primas e alimentos (açúcar, café, algodão, cacau, borracha etc.)".
Obviamente, num contexto como esse, urgia como
grande desafio a tarefa concluída apenas em 1888, que foi a abolição da
escravidão. Para se ter ideia, segundo Augusto Buonicore, "em 1822,
quando da Independência, o Brasil tinha aproximadamente 4 milhões de
habitantes, e um milhão e duzentos mil eram escravos. Em 1850, ano do fim do
tráfico, já havia cerca de 8 milhões de habitantes e dois milhões e meio de
escravos. Isto representava um pouco mais de 1/4 da população brasileira."
Portanto, aqui, também emergiram figuras de porte para emancipação humana e
nacional, como é o caso de Joaquim Nabuco.
O recifense Joaquim Nabuco, além de político,
diplomata, jornalista, historiador e jurista, foi um grande defensor da
liberdade, um homem que fez da política um instrumento para romper com o estado
de coisas que encontrava, nesse período, tendo a escravidão como grande
obstáculo ao avanço da sociedade, liderando deputados em torno da bandeira do
abolicionismo. Além disso, se colocava na dianteira dos defensores do
pan-americanismo de San Martín e Simon Bolívar e da liberdade religiosa.
O que mais chama atenção é que, embora monarquista,
Joaquim Nabuco, assim como Marx, era um homem a frente de seu tempo.
Considerava a escravidão como algo muito mais significativo, pois significava a
soma do poderio, influência, capital; "o feudalismo estabelecido no
interior". Denunciava como a escravidão impedia o desenvolvimento da
indústria brasileira; algo que crescia na Europa no período. Além de criticar a
anuência que a Igreja Católica dava à escravidão.
Em discurso em São José, defendia a reforma
agrária: "O período atual, porém, não é de conservação, é de reforma, tão
extensa, tão larga e tão profunda que se possa chamar revolução; de uma reforma
que tire esse povo do subterrâneo escuro da escravidão onde ele viveu sempre, e
lhe faça ver a luz do século XIX. Sabeis que reforma é essa? É preciso dizê-lo
com a maior franqueza: é uma lei de abolição que seja também uma lei
agrária."
Mesmo liberal, já denunciava as principais
contradições do capitalismo: "eles representam a riqueza acumulada, vós
representais o trabalho, e as sociedades não vivem pela riqueza acumulada,
vivem pelo trabalho". Convocava o embrionário operariado nacional a
combater os conservadores: "quem tem à vista desse quadro mais interesse
em que a marcha da sociedade seja tão regular e contínua como a de um relógio
ou das estações - o capitalista ou o operário?"
Além de fazer a crítica ao período monopolista do
capitalismo: "não tenho receio de destruir a propriedade privada fazendo
que ela não seja um monopólio e generalizando-a, porque onde há grande número
de pequenos proprietários a propriedade está muito mais firme e solidamente
fundada do que onde por leis injustas ela é o privilégio de muito poucos."
Nesse sentido, levando em consideração a sociedade
em que vivia, é preciso reconhecer Joaquim Nabuco como um dos verdadeiros
protagonistas dos saltos civilizacionais por que a sociedade brasileira já
passou, colocando-o, assim como Marx, no "hall" de homens e mulheres
que o século XIX produziu para que atingíssemos um grau mais elevado de
humanidade.
Num mundo cujas guerras, fome, terrorismo(s),
intolerâncias e tentativas anti-democráticas perduram, as obras a que essas
duas figuras combateram permanecem matando e subjugando a humanidade a interesses
escusos de uma minoria dominante. É preciso acabar com a obra do capitalismo, é
preciso acabar com a obra da escravidão!
Para isso, é preciso mirar-se no exemplo daqueles
que fizeram da política o instrumento fundamental de mudança da sociedade. Desses
dois homens, que, imbuídos de esperança na humanidade - o verdadeiro humanismo
- valeram-se de amplitude tática para perseverar em seus objetivos, cujas
conquistas - parciais ou não - iluminam a trajetória de homens e mulheres que
lutam pela emancipação humana até os dias atuais.
Caso não existissem homens como esses, o mundo
seria muito mais facilmente dirigido por aqueles que querem que "a marcha
da sociedade seja tão regular e contínua como a de um relógio". Não fosse
a luta dos socialistas na Europa, não teríamos jornadas de trabalho mais
dignas, direitos trabalhistas, ou o estado de bem estar social. É como
consequência da luta dos que combateram a escravidão, que os programas sociais
brasileiros existem hoje, que trabalhadores domésticos têm seus direitos.tão
duramente conquistados. E é por ver que exemplos como esses atravessam a
história que fazemos a luta valer a pena, continuar no caminho de mudanças que
os verdadeiros revolucionários preferiram percorrer. Há muito mais de 100 anos,
alguns ousaram fazer, e por essa obra vale a pena lutar.
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