Brasil é o país em que o presidente é
produtor oficial de notícias falsas
Janio de
Freitas, Folha de S. Paulo
Os alemães estão preocupados com o
número e os efeitos crescentes de notícias falsas. Seu governo discute, já como
anteprojeto, uma legislação duríssima contra empresas que viabilizam redes na
internet, quando não eliminem com presteza as notícias falsas e a disseminação
do ódio.
No Brasil, providência semelhante seria
contraditória, sendo o país, por exemplo, em que um ex e badalado presidente da
República e um ministro do Supremo Tribunal Federal propõem que o caixa 2 em
política – o dinheiro tomado e destinado em segredo – não mais seja considerado
como corrupção.
Ou, mais simplesmente: o país em que o
presidente é produtor oficial e contumaz de notícias falsas. Com uso não só da
internet, mas de todo o sistema de comunicação informativa do país. O que
Fernando Henrique e Gilmar Mendes pretendem aceitável é a maior causa da grande
mentira eleitoral, o mito das eleições livres e limpas no Brasil. Lembre-se, a
propósito, que as contas da campanha presidencial de Fernando Henrique foram
recusadas pela Justiça Eleitoral, com um grande rombo apesar da contabilidade
conveniente. Como diz Carlos Ayres Britto, com brilhante passagem pelo Supremo,
o caixa 2 "é eticamente espúrio e juridicamente delituoso".
Michel Temer repete, com a esperança de
que o país o ouça, serem as críticas ao projeto de "reforma" da Previdência movidas apenas por interesses. Nega
perdas: "Cerca de 63% dos trabalhadores terão aposentadoria integral,
porque ganham salário mínimo. Quem pode insurgir-se é um grupo de 27%,
37%".
À parte a dupla indecência que está na
proporção dos recebedores de salário mínimo e no valor dele, já desmoralizantes
da Previdência e da "reforma", o projeto do governo fere sobretudo os
mais carentes. Os de salário mínimo integram a grande multidão que começa a
trabalhar mais cedo, na puberdade ainda. Exigir-lhes mais cinco ou dez anos de
trabalho, para chegar à nova idade mínima de aposentadoria, é um ônus desumano.
E negá-lo é mentir ao país.
O "ministério de técnicos", a
"recuperação da moralidade pública", a "retomada do crescimento
ainda neste ano" (de 2016!), e tantas balelas mais, formam uma estrada
imoral de mão única. Na qual foi erguido há pouco um monumento à indignidade.
Recusar-se a reconhecer uma autoria legítima é uma usurpação, seja ou não em
proveito próprio. No caso, era.
Michel Temer saiu-se com a bobagem de
que "a paternidade da transposição do São Francisco é do povo brasileiro". Sua forma
de negar a autoria de Lula, em áspera batalha técnica e de comunicação, e a
difícil continuidade assegurada por Dilma. Citou valores errados, sempre em seu
favor. E inventou a entrega de 130 mil cisternas.
Para breve comparação: Tereza Campello
entrou calada no governo Dilma, permaneceu muda e, no impeachment, saiu em
silêncio sobre seu papel no governo. Mas, entre outros êxitos incomuns, fez
construir e instalar no Nordeste cerca de um milhão de cisternas.
Por isso a recente seca, brutal, não
provocou o abalo e os demais efeitos das secas equivalentes. Observação de
valor especial nestes tempos: tamanha obra sem que houvesse sequer vestígio de
escândalo, na atividade que mais produziu corrupção e escarcéus na história do
Nordeste.
Tereza Campello, a cujo silêncio
realizador a imprensa/TV respondeu com silêncio incompetente, foi uma ministra
extraordinária.
Quanto a Michel Temer, entende-se por
que lhe pareceu normal nomear Alexandre de Moraes, coautor de um livro que
assina sozinho, para o Supremo. A veracidade não é o que lhe importa. Como
caráter não se vende em supermercado, Michel Temer não recebe informações a
respeito.
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