Moralidade a qualquer custo?
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Nada é mais simples do que transformar a moral em um sistema
de regras absolutas sobre as quais não há qualquer possibilidade de compromisso.
Muitos adotam a retórica da moralidade, da moralidade
perfeita, a qualquer custo. O farisaísmo é sempre um tranquilizador perfeito da
consciência.
Será razoável o que fazemos com o Brasil ao adotar essa
"filosofia"?
Primeiro, temos os abusos da Lava Jato. A operação começou
moralizando o país, mas em seguida desrespeitou direitos básicos. Está
destruindo nossas grandes empresas de construção.
Houve corrupção na Petrobras? As práticas corruptas são
antigas nas obras públicas? Valeu a pena encontrar os culpados e puni-los? Sem
dúvida. Mas faz sentido usar da coerção para extrair delações e
"vazar" imediatamente seu conteúdo para a imprensa?
Faz sentido não distinguir o caixa dois, já parte dos usos e
costumes do financiamento de campanhas no Brasil, das propinas (oferecer obras
ou emendas legislativas em troca de dinheiro)? Vale a pena desmoralizar todos
os políticos brasileiros? Vale a pena realizar uma cruzada contra as empresas,
ao invés de apressar e simplificar os acordos de leniência?
Definitivamente, não vale.
E agora tivemos a Operação Carne Fraca. Faz sentido a
publicidade que a Polícia Federal deu a ela? Faz sentido anunciar ao mundo que
a produção de carne do Brasil não está sendo devidamente fiscalizada?
É provável que de fato ocorram problemas na fiscalização. A
ação escandalosa da Polícia Federal, no entanto, vendeu a ideia de que as
grandes empresas exportadoras de carne -patrimônios da sociedade brasileira,
assim como as construtoras- são todas corruptas. Isso também não faz o menor
sentido.
Pode fazer, contudo, para os defensores da moralidade
absoluta.
Sim, precisamos de moralidade. Sim, precisamos punir a
corrupção. Mas de maneira razoável, pragmática, sem violência. Na vida social
-e, mais ainda, na política-, os valores são fundamentais.
A Operação Lava Jato representou uma conquista enquanto
processava e punia políticos, lobistas e funcionários envolvidos diretamente em
propinas. Transformou-se depois em ameaça quando assumiu caráter partidário.
Tornou-se ameaça ainda maior quando revelou que as propinas não eram
relacionadas apenas ao PT.
Quando a Constituição de 1988 deu independência e poder ao
Ministério Público, encarei como uma vitória. Quando a Polícia Federal foi
reformada e prestigiada no governo Lula, igualmente comemorei.
Vejo
agora, todavia, que o Poder Judiciário e a Polícia Federal estão saindo do
controle da sociedade. Transformaram-se em poder perigoso para os destinos da
democracia e do desenvolvimento brasileiro.
Sim, queremos mais honestidade na condução da vida
empresarial e da vida pública, mas os padrões éticos são uma construção social,
como também o são a construção da nação e do Estado.
Uma construção que está hoje ameaçada pelo ressentimento,
pelo radicalismo e pelo ódio.
Não destruamos o Brasil. A moralidade é um valor maior, mas
não o único, e não pode ser assegurada a qualquer custo.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA é professor
emérito da Fundação Getulio Vargas. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney),
da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC)
Leia mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/kMGFD
Nenhum comentário:
Postar um comentário