Ilustração: Do site ruiraiol.com.br
Sem
limites?
Se
partidos não se reerguerem, dique institucional à maré de arbítrio ficará
enfraquecido
André Singer, na Folha de S. Paulo
O ministério do bom senso adverte: o que vai se ler
aqui nada tem a ver com defesa da corrupção. Desde o início da Lava Jato reconheci os aspectos
republicanos que ela implicava, ao revelar desvios assustadores de dinheiro. No
entanto, é minha obrigação alertar, também, para os riscos postos quando
agentes públicos dotados de poder coercitivo ficam sem controle.
Reza a
descoberta fundamental de Montesquieu (1689-1755): "A experiência eterna
mostra que todo homem que tem poder é tentado a abusar dele; vai até onde
encontra limites. Quem o diria! A própria virtude tem necessidade de limites.
Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das
coisas, o poder freie o poder" ("Espírito das Leis", livro 11,
capítulo 4).
Que
necessidade tinha a operação Boca de Lobo, conduzida pela Polícia Federal (PF),
de dar voz de prisão ao governador do
Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, às 6h, em pleno Palácio
Laranjeiras?
Alguém
acredita que, se convocado a apresentar-se, o mandatário fugiria? Trata-se de
um factoide, voltado para mostrar potência e obter as luzes da mídia. Note-se,
aliás, que a cada fase da Lava Jato, que já se aproxima da 60ª fase, sempre
acontece, ainda de manhã, uma bem montada entrevista coletiva com delegados,
procuradores, auditores etc., enfim os comandantes da jornada.
Pergunto-me
se, àquela altura, em lugar de aparecer, as autoridades não deveriam estar
interrogando os suspeitos, de modo a poder liberá-los se for o caso. A ascensão
ministerial de Sergio Mouro, cuja carreira representou um tapa na cara das
instituições de controle, como mostrou Conrado Hübner Mendes (Época, 12/11),
parece ter reavivado o espírito de caça dos seus comandados.
Depois de dois
meses silente, a Lava Jato realizou, na semana passada, 22 prisões para
investigar desvios, envolvendo petistas, entre o fundo de pensão da Petrobras e
a empreiteira OAS. Mais adiante, junto com o emedebista Pezão, levou mais nove
pessoas para o xilindró. No mesmo dia, deixou vazar que a CCR teria abastecido
o caixa dois de proeminentes peessedebistas de São Paulo.
Nesse ritmo, o
que resta do sistema partidário montado sob a égide da Constituição de 1988
estará extinto antes de comemorar o 31º aniversário. E se os partidos não derem
respostas convincentes à sociedade e se reerguerem, o dique institucional à
maré de arbítrio ficará enfraquecido.
A 56ª fase da
Lava Jato (a da Petros) recebeu o sugestivo nome de Sem Fundos,
em alusão, de acordo com a PF, ao "saco sem fundos" de crimes
investigados (Folha).
O risco é de a operação se tornar, simetricamente, sem limites.
André Singer é professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa
da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.
Leia
mais sobre temas da atualidade: https://bit.ly/2Jl5xwF
Nenhum comentário:
Postar um comentário