Bolsonaro e as redes: a mentira e a manipulação sem intermediários
Apesar de oratória débil e cultura
rasa, o pretenso “mito” conta com tecnologia que dispensa mídia comercial e
ideias elaboradas para atingir grandes plateias, já “adestradas” para essa
comunicação.
Por Lalo Leal,
para a RBA (no Blog do Renato)
Nos anos 1930,
um cabo austríaco falava às massas sem intermediários. Usava o rádio e a praça
pública. Hoje um capitão reformado brasileiro faz o mesmo usando as redes
sociais. Mudam os meios, mas os fins são semelhantes.
O afastamento
das chamadas associações intermediárias do jogo democrático, como partidos e
sindicatos, é típica de governos autoritários. Projetos e propostas políticas
deixam de ser debatidos e refinados através da sociedade organizada para serem
impostos à vontade popular através da voz solitária do líder, tendo como sustentação
apelos emocionais e demagógicos.
Incapacitado
por sua débil oratória e rasa cultura, o pretenso líder brasileiro viu cair aos
seus pés uma tecnologia que dispensa ideias mais elaboradas. Uma ou duas
frases, muitas vezes capengas, são suficientes para atingir grandes plateias
virtuais, já adestradas para esse tipo de comunicação. Infelizmente o
entendimento de textos mais elaborados está fora do alcance da maioria dos
brasileiros.
A eficiência
das redes ficou provada durante o processo eleitoral. Alguns dias antes do
pleito, robôs despejaram milhões de mensagens contra candidatos progressistas.
Além da disputa presidencial, foram deturpadas diversas campanhas para os
legislativos. Exemplos significativos foram as derrotas de Eduardo Suplicy, em São
Paulo, e Dilma Rousseff, em Minas, candidatos ao Senado que apareciam até às
vésperas das eleições como franco favoritos. O mesmo aconteceu, em sentido
inverso, com desconhecido candidato eleito para o governo do Rio.
Foi a fase
aguda da comunicação eleitoral. A dúvida agora é saber se de aguda passará a
crônica, juntando-se aos meios tradicionais. Desde sempre, esses meios oferecem
ao público doses diárias de informações cujo efeito cumulativo é semelhante ao
dos remédios de uso contínuo. Permanecem indefinidamente no organismo.
É assim com a
criminalização diária da política, a exacerbação da violência através dos
programas policialescos e a imposição de regras morais conservadoras pelos
canais e programas religiosos onipresentes no rádio e na televisão. São vidas
inteiras contaminadas por esses produtos sem nenhuma fiscalização.
Há momentos em
que alguns veículos aumentam a dosagem de suas drogas. Um dos casos mais
evidentes é o do surgimento e consolidação dos movimentos de extrema direita. O
Movimento Brasil Livre (MBL) e seus lideres tornaram-se protagonistas da cena
política graças à mídia tradicional que buscava, de qualquer forma, algum
movimento de rua capaz de servir de contraponto às tradicionais ações desse
tipo, conduzidas pela esquerda.
Dessa forma,
pequenos grupos de 10 ou 20 pessoas segurando a bandeira nacional, pedindo o
impeachment da presidenta ou a “intervenção militar democrática” viravam
notícia de destaque. Alguns dos seus integrantes tornaram-se populares obtendo
expressivas votações no último pleito.
O exemplo mais
significativo desse processo de ampliação de poder dos grupos de
extrema-direita, realizado pela mídia tradicional, deu-se no sábado que
antecedeu o primeiro turno das eleições presidências. Naquele dia aconteceu um
movimento de massa nacional comparável apenas com os comícios das Diretas Já,
na década de 1980. Foi o “Ele Não”, responsável por colocar nas ruas milhares
de pessoas nas principais cidades do pais.
A TV Globo,
além de não anunciar esses eventos, como fazia quando era para derrubar a
presidenta Dilma, os minimizou com uma cobertura minguada e distorcida. Tentou
exibir um equilíbrio que só é lembrado nessas horas, indo atrás de reduzidos
grupos de manifestantes favoráveis ao candidato direitista. Comparou o incomparável,
abrindo espaços iguais para acontecimentos desiguais.
Ainda assim, o
sucesso do “Ele Não” assustou seus adversários. A partir daí, o bombardeio
através do WhatsApp ganhou proporções nunca vistas por aqui e acabou decidindo
as eleições. Tornou-se o grande cabo eleitoral do candidato vencedor que agora
aposta nele como forma de sustentação ao seu governo. Resta saber se dará
certo.
Uma coisa são
as descargas de mensagens fantasiosas concentradas em poucos dias apelando para
uma decisão eleitoral. Outra será a necessidade de explicar acusações de
corrupção ou de justificar mais reduções de direitos trabalhistas todos os
dias.
O WhastApp
passará por um duro e inédito teste no Brasil. Estará diante do desafio de se
integrar ao conjunto dos meios de comunicação tradicionais, operadores de
lentas e constantes ações crônicas de persuasão política ou ficará restrito ao
que até agora mostrou, um remédio eficaz apenas para situações.
Muito do nosso
futuro depende dessa resposta.
*Laurindo Lalo Leal é jornalista e
professor da Escola de Comunicação e Arte (ECA)/USP.
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